Em entrevista ao site, a consultora em legislação edilícia e urbanística, Andréa Redondo faz críticas que vão ao encontro da opinião do mandato: “a Marina da Glória é um equipamento urbano público que não pode ser destinado a empreendimento comercial”. O empresário Eike Batista apresentou novo projeto simplificado de revitalização da área que já vem levantando polêmica, a exemplo do original.
Em seu blog, Urbe CaRioca, a urbanista, que presidiu o Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro de 2001 a 2007, publicou um longo artigo sobre o assunto. Ela destaca um depoimento em que o próprio Eike chama seu projeto original de “devaneio” que “já está na lata do lixo”. No entanto, a proposta inicial do empresário foi, inexplicavelmente, aprovada pelo Iphan. Na época, a polêmica foi tanta que Eike desistiu.
O novo projeto só pode sair do papel se tiver nova aprovação do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) uma vez que a Marina da Glória faz parte do Parque do Flamengo que é tombado. A reestruturação prevê a construção de um prédio de 15 metros de altura, lojas e um centro de convenções, com a ocupação de um área de 20 mil metros quadrados, cinco vezes maior do que a prevista no plano original do Parque do Flamengo. Leia, a seguir, a entrevista.
Você tem acompanhado as várias tentativas de reestruturação da Marina da Glória. Qual sua opinião sobre este processo e sobre a proposta simplificada de reestruturação da Marina da Glória apresentada por Eike Batista?
O processo baseia-se, mais uma vez, no discurso de que é necessário trazer a iniciativa privada para gerir equipamentos públicos de modo a economizar recursos públicos. O problema ocorre quando o concessionário exige contrapartidas inadmissíveis, como é o caso da Marina da Glória, por isso é um caminho equivocado na origem. Quanto ao projeto, embora não tenha conhecimento sobre a dita ‘proposta simplificada’, isto não é necessário. O local não pode ser destinado a um empreendimento comercial de tal natureza, seja qual for o seu porte. Em um equipamento urbano público como é a Marina da Glória entendo que possam ser toleradas apenas atividades econômicas de pequeníssimo porte, para apoio ao único possível destino que a área deve cumprir: ser a Marina do Rio de Janeiro.
Segundo o secretário do Conselho Comunitário da Glória, Jorge Mendes, a área de 20 mil metros quadrados prevista para as construções no atual projeto de Eike na Marina da Glória ainda é cinco vezes maior do que a prevista no plano original do Parque do Flamengo. Este projeto pode descaracterizar o parque, incorrendo na mudança de uso?
Conforme disse antes, reduzir o tamanho não justifica a atividade pleiteada. Quanto a descaracterizar o parque, sem dúvida. Fisicamente e conceitualmente. Seriam tanto descaracterização quanto mudança de uso em parte da área pública que é o Parque do Flamengo, concebido para ser a enorme área livre e ajardinada que margeia a baía de Guanabara, a qual, além de colaborar para o sistema viário do Rio, foi salpicada com poucas e esparsas construções que não prejudicam o conceito original – são museus, monumentos, teatros, apenas um restaurante, parques infantis, etc. Quando ocupava um cargo público na área do urbanismo, foi-me apresentada uma solução para resolver os problemas financeiros do Museu de Arte Moderna. Atenta e curiosa, ouvi que o ‘remédio’ seria construir um prédio comercial com trinta andares ao lado do Museu. Encerrei a reunião educadamente explicando que o Parque do Flamengo não fazia parte do tecido urbano edificável da cidade. É exatamente o mesmo caso, exceto pela horizontalidade que certamente o projeto simplificado apresentará, o que, entretanto nada justifica.
O MPF reclama da falta de informações a exemplo de proprietários de embarcações que temem perder as vagas secas para barcos e denunciam que as mudanças podem prejudicar a realização de esportes olímpicos. Está faltando transparência? O MP deve agir?
A falta de transparência existe desde a concessão feita ao mesmo empresário, em 2009, creio. O projeto não foi divulgado e, somente depois de pressão por parte de alguns urbanistas e arquitetos, surgiu a única imagem que conhecemos, uma vista aérea da Marina com a montagem de um prédio curvo. Outros projetos, apresentados ao concessionário – que, ao que consta, promoveu uma seleção – estão disponíveis na web. Quanto a prejudicar os esportes olímpicos, vale lembrar que o mesmo argumento foi usado na época dos Jogos Pan-Americanos. Que foram realizados muito bem, sem o projeto considerado, então, “indispensável”. O MP deve agir, tal como na primeira vez, quando o concessionário anterior apresentou o mesmo programa de projeto, acrescentado de um prédio para barcos que ficaria diametralmente oposto à Marina próximo ao Aeroporto Santos Dumont.
Em seu blog Urbe Carioca, você sugere que Eike Batista invista seus bilhões na Zona Portuária. O projeto de construção de shopping , estacionamento e centro de convenções é mais adequado à área do Porto?
A sugestão é tão óbvia que, acredito, muitas pessoas tenham pensado nisto ao mesmo tempo. A Zona Portuária precisa do investidor privado, construções que atraiam público e vida ao Centro, de modo a movimentar a economia e a gerar recursos. Para isso foram feitas as obras de urbanização com não pouca verba pública. É o momento em que o governo deve agir para levar o investidor a se estabelecer lá. E o melhor: é perto do Hotel Glória e o percurso, sem o Elevado da Perimetral, se tornará agradável. É o mínimo que o Sr. Eike Batista deve fazer pela cidade da qual diz gostar, e que não tem medido esforços para agradá-lo.
Qual sua opinião sobre o bota-abaixo que a cidade do Rio de Janeiro vem sofrendo, em função dos preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas, que começou com as marquises do Maracanã?
A marquise do Maracanã foi uma perda: era o símbolo maior daquela construção, e as explicações sobre sua degradação não foram claras. Os órgãos de proteção do patrimônio cultural não defenderam o que era um ícone do chamado País do Futebol e também do Rio de Janeiro capital. Tecnicamente talvez fosse possível adaptar uma cobertura se fosse indispensável tê-la. Não tenho notícia de tal tentativa. O “bota-abaixo” em algumas situações pode ter sido necessário, caberia analisar caso a caso. Certamente não o foi quanto ao Velódromo ou ao Autódromo, motivados, ao que tudo indica, pela decisão de abrir mais terras na Barra da Tijuca e em Jacarepaguá para a indústria da construção civil, usando-se como pano de fundo, mais uma vez, os grandes eventos que o Rio receberá. Do mesmo modo que as decisões equivocadas sobre o Campo de Golfe na APA Marapendi refletem aquele viés.
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