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Remoções: Agência Pública entrevista Elisângela, removida do Pavão-Pavãozinho

Ciro Barros para a Agência Pública
“Eles não derrubam só a casa da pessoa. Derrubam a vida toda, os planos, os projetos.” A frase é de Elisângela Sena, de 38 anos, que viveu o drama de estar no caminho do “progresso” trazido pelos megaeventos no Rio de Janeiro. Moradora da comunidade Pavão-Pavãozinho, que fica na Zona Sul carioca entre bairros nobres como Copacabana e Ipanema, ela viu, em 2010, sua casa literalmente cair. Dois anos depois do fato que virou um documentário, ela ainda espera por uma casa nova, por indenizações, pela ligação de um assessor do secretário de Habitação Jorge Bittar e pelo noivo, que foi estudar direito fora do país para tentar resolver a situação e ainda não voltou.

O Copa Pública estreia hoje retrospectiva de um ano de blog, com uma entrevista com a Elisângela, para saber o que aconteceu depois que a sua casa caiu.

O que aconteceu na sua vida após a derrubada da sua casa?
Foi algo que me abalou. Primeiro porque nós moravamos todos juntos, eu, o meu noivo e a minha filha. Nós iríamos nos casar mas tivemos de cancelar. Ele teve que ir embora do Rio trabalhar com outra coisa para conseguir mais dinheiro e depois foi estudar fora do país. A minha filha foi morar com a minha mãe até a gente conseguir arrumar outro lugar e perdeu seis meses de escola, porque ficou tudo desorganizado. Ela tinha que vir do Méier para estudar lá perto da comunidade e acabou perdendo o período. Eu perdi o meu trabalho na época. Para mim também foi difícil, porque eu tinha começado a fazer faculdade de Turismo e Hotelaria mas precisei largar. Agora a gente está tentando reorganizar as nossas vidas. Eu até consegui alugar uma nova casa, mas é praticamente do lado da minha casa antiga, que foi derrubada, e a minha filha está traumatizada e não quer ficar lá. A gente vê os destroços da casa a toda hora e isso é horrível. Você acordar de manhã e ver os destroços lá é uma coisa que não é fácil mesmo, né? Nem eu gosto de ficar vendo. Tanto que agora arrumei um trabalho em um hostel lá na favela [do Pavão-Pavãozinho] e durmo lá. Porque para mim é muito desagradável depois de dois anos ver a casa lá derrubada. Mas isso me motivou a fazer trabalho voluntário ajudando as pessoas de várias comunidades como Pavão-Pavãozinho, Rocinha, Chapéu Mangueira e Ladeira dos Tabajaras, que estavam passando pela mesma situação.

Vamos por partes, então. Como foi para você adiar os planos de se casar?
Em primeiro lugar, eu queria dizer que ele [o noivo] me ajudou muito na construção da casa que foi derrubada. Quando a gente comprou o imóvel, era todo de madeira. Depois a gente fez toda a estrutura de alvenaria, tirou a de madeira e nisso tudo ele trabalhou junto. A gente meteu a mão na massa mesmo. Pagamos para carregar o material até o alto do morro, que é muito mais caro. A gente gastou muito, doamos o nosso tempo todo para acompanhar isso. E quando a gente estava com tudo organizado, se programando pra ficar mais tranquilo, mudar de emprego, fazer outra faculdade, casar, veio tudo isso.

Tem um ano e meio que a gente não se vê, porque ele resolveu estudar direito por causa de tudo o que vivemos e conseguiu uma bolsa de estudos na Suíça. Nem sei mais se a gente vai continuar juntos. É muito triste para mim. De qualquer jeito, a Defensoria Pública conseguiu que eu fosse registrada em um programa da Prefeitura do Rio para receber uma nova casa, que é dele também. E ainda estou esperando a indenização pela antiga.

E a sua filha? Conseguiu se formar?
Ela está com 18 anos, no segundo ano do segundo grau. Perdeu seis meses de aula e acabou perdendo o ano. Quero que minha filha faça supletivo para terminar logo e fazer faculdade de gastronomia. Vou correr atrás disso. Tenho muita esperança de conseguir concretizar esses planos.

E em que pé que está a ação da Justiça que você protocolou junto com a Defensoria Pública?
Na última vez que eu fui à Defensoria Pública, recebi a notícia de que o processo estava preso com o juiz havia cinco meses. Então eu pedi para a Defensoria fazer um documento pedindo a liberação do processo. Porque a cláusula que precisa ser julgada é a da indenização por danos morais e materiais. Eu pedi porque as minhas coisas, que ficaram no meio da rua naquele episódio, foram furtadas. Isso que estamos esperando. A inclusão do nome no reassentamento dentro da comunidade a gente já ganhou. Estão sendo construídos quatro imóveis dentro da comunidade, três prédios, um deles já em acabamento, e a não sabemos para qual deles iremos.

No vídeo você também diz que conseguiu “pegar pelo braço” o então secretário de Habitação, Jorge Bittar, durante o horário de almoço dele. E que Bittar teria dito que destinaria um assessor dele para conversar com você. Você chegou a conversar com essa pessoa?
Cheguei sim. Mas esse assessor dele nunca me dava uma informação correta, sempre me dizia: “ah, você volta aqui na semana que vem” ou “eu vou telefonar para você”, “estamos vendo”. E até hoje, dois anos depois do ocorrido, ele nunca me telefonou. Aí eu coloquei o caso na Defensoria Pública e parei de ir à Prefeitura. Não adianta.

Você também saiu como vereadora nessa última eleição? O episódio da sua casa te motivou a isso?
Nos primeiros dois anos, não me motivou não. Primeiro porque eu tinha muita raiva, muito ódio da política, muita revolta. Só que eu comecei a ver que os políticos se alimentam desse ódio da gente, porque a gente não se informa, não exige, não busca nada deles. Também não temos aulas nas escolas sobre política. Então a gente fica com esse ódio e não entra para esse mundo, para tentar mudar a situação da comunidade, do bairro, da cidade, do país. Isso é péssimo, principalmente para os mais pobres. Depois de um tempo que eu já estava nessa luta, resolvi tentar a vida pública para ajudar outras pessoas.

Por qual partido que você saiu?
Foi pelo PDT. É um partido que não está coligado com nenhum outro, mas que nessa eleição deu um apoio para o PMDB, em troca de material, de propaganda.

E como você se sentiu quando se viu sendo candidata por um partido que estava apoiando o Eduardo Paes, que era prefeito quando a sua casa veio abaixo?
Foi muito difícil para mim. Eu me filiei ao partido só por causa do Brizola. Eu busquei, estudei e vi que o Brizola fez coisas boas para as comunidades, que dão frutos até hoje. No primeiro momento, eles não tinham coligação e nem estavam dando apoio a ninguém. Achei perfeito. Era o meu interesse. Eu participei só de uma reunião do partido, que foi para apresentar a minha candidatura. Aliás, eu fui chamada para ser candidata um mês antes das eleições, porque alguns candidatos foram barrados pela Lei da Ficha Limpa. Não sei das articulações deles, não sei com quem eles estão, o que eles fazem. E eles também não me conhecem. Aí eu estava em campanha rodando as comunidades e o pessoal do partido me chamou para fazer fotos para o material de campanha. Quando soube que iria ter que posar para uma foto com o prefeito quase morri. Eu falei: “Não vou tirar foto com esse homem. Se vocês forem tirar foto, vai ser comigo esganando ele. Ele derrubou a minha casa.” Nem eles sabiam da minha história. Ficaram assustados comigo. E disseram que eu ia ter que ganhar um material que vinha com a cara dele, ou pagar o meu material todo. Aí eu resolvi fazer o meu material por minha conta mesmo. Consegui 50.000 panfletos e fiquei como suplente.”

Veja vídeo sobre o Caso Elisângela
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