O superdimensionamento do risco no Morro da Providência

Relatório extenso elaborado pelo engenheiro Maurício Campos dos Santos e pelo arquiteto Marcos de Faria Asevedo, que fazem parte do Fórum Comunitário do Porto, questiona a necessidade de remoção de tantas famílias do Morro da Providência. O documento que tem farto material fotográfico afirma: “Faz-se necessário a realização de um estudo mais detalhado que permita aferir a real situação de risco, estudo esse que deve incluir propostas para a eliminação dos eventuais fatores de risco que vierem a ser identificados, a serem incorporadas em um futuro projeto de urbanização da comunidade”.

Abaixo, parte das conclusões finais…

O superdimensionamento do “risco”
Fica evidente que as remoções decorrem fundamentalmente do projeto urbanístico e não das possíveis situações de risco que pudessem ser identificadas nas duas comunidades: no caso do Morro da Providência, nada menos de 2/3 das remoções previstas (317 domicílios) são “justificadas” em função das diferentes intervenções previstas no projeto de urbanização.

Mesmo com relação às remoções associadas a “risco” no Morro da Providência (164 domicílios), pode-se afirmar, com base na análise apresentada no presente relatório, que houve um claro superdimensionamento das possíveis situações de risco existentes, sendo possível verificar que, em todos os casos, “coincidentemente”, as áreas que ficariam “livres” em decorrência da remoção estão associadas também às intervenções previstas no projeto.
Na Pedra Lisa a situação é ainda mais absurda, pois a comunidade foi condenada a ser removida integralmente (351 domicílios) apenas devido ao fato de não ser considerada como “área de interesse” para um projeto urbanístico nos moldes pretendidos, ou seja, que comporte intervenções de grande impacto visual e de alto custo.

A análise efetuada com relação à existência de possíveis situações de risco e aos condicionantes do projeto urbanístico permite concluir que a criação de um clima de insegurança nas comunidades do Morro da Providência e da Pedra Lisa, mediante o uso generalizado do argumento do “risco”, sem que fossem apresentados os estudos técnicos que pudessem comprovar a existência do mesmo, constitui parte da estratégia da Prefeitura/SMH para viabilizar a implantação do projeto de urbanização nos termos por ela propostos, sem dar margem a qualquer contestação.

Aliás, já ficou constatado que a Prefeitura/SMH, como forma de tentar justificar diferentes casos de remoção, utiliza-se com freqüência do argumento do “risco”, aproveitando-se, para tanto, da fragilidade das comunidades que, de uma maneira geral, não tem acesso a informações objetivas sobre a real situação dos terrenos ou das casas. Aproveita-se, também, da comoção que esse tipo de argumento costuma provocar na sociedade, considerando-se que na maior parte das tragédias que se abatem sobre as comunidades mais pobres há situações de risco reais presentes, que poderiam, entretanto, ter sido minimizadas por ação anterior do poder público, ou controladas através de obras e intervenções que, na maioria dos casos, eliminam a necessidade de reassentamento de famílias.

Por fim, aproveita o próprio fato de as declarações proferidas por autoridades públicas sobre possível existência de risco, respaldadas ou não em algum laudo técnico, serem encaradas invariavelmente como “verdades absolutas”, como se não estivessem sujeitas a uma avaliação mais cuidadosa por parte das comunidades ameaçadas, seja quanto aos aspectos estritamente técnicos, seja quanto a outros interesses que estão ocultos atrás do argumento do “risco”.

A postura assumida pela Prefeitura/SMH nesses casos combina um misto de leviandade e irresponsabilidade, pois é sabido que as informações são propositalmente falseadas e que as situações de risco reais, na maioria dos casos, foram criadas em função da omissão da própria prefeitura e das demais esferas do poder público.

Projeto de urbanização ou projeto de remoção em massa?
As intervenções propostas no projeto de urbanização são caracterizadas por obras de grande impacto visual – Teleférico, Plano Inclinado, Centro Histórico Cultural, via elevada contornando a escarpa – implantando nas duas comunidades algumas estruturas da cidade formal, ao mesmo tempo em que promovem a expulsão das famílias que aí residem.

Sob o pretexto de “alargamento de vias” ou “desadensamento de áreas insalubres”, pode-se constatar que a lógica que orientou o projeto urbanístico foi a de considerar as duas comunidades, estruturadas ao longo de dezenas de anos, como se constituíssem imensos “terrenos baldios”, livres de qualquer construção, onde não existisse qualquer forma de vida social ou de relações familiares e de vizinhança estabelecidas, pois somente a partir de tal concepção pode-se cogitar na remoção de nada menos de 832 domicílios, número que equivale a 48,4% do total de domicílios existente nas duas comunidades.

Ou seja, um projeto de urbanização que deveria ter como objetivo beneficiar os moradores, pretende promover uma remoção em massa nessas duas comunidades.

A resistência contra as remoções e a construção de um projeto de urbanização alternativo
Ficou comprovado pela análise efetuada na documentação a que se teve acesso referente ao projeto de urbanização e ao mapa de risco das duas comunidades que não há qualquer embasamento técnico que comprove a existência de situações de risco com a abrangência alardeada pela Prefeitura/SMH, que impusesse a remoção de centenas de famílias conforme pretendido, ou, naqueles casos em que de fato se possa atestar a existência de uma situação real de risco, que a única alternativa existente seja o reassentamento das famílias, sem que antes se avalie a viabilidade de execução de obras que venham a reduzir a níveis aceitáveis o risco identificado.

Não há também, do ponto vista técnico, qualquer justificativa para que as alternativas adotadas no projeto urbanístico sejam apresentadas como as únicas possíveis, em detrimento de tantas outras soluções técnicas conhecidas e, principalmente, de outras alternativas que surgiriam a partir da discussão do projeto com a comunidade que, com certeza, atenderiam muito melhor às suas necessidades.

O caso do Morro da Providência/Pedra Lisa constitui mais um exemplo de como situações de “risco” ou argumentos “técnicos” são apresentados pela Prefeitura/SMH como argumentos definitivos e incontestáveis com a intenção de colocar as comunidades diante de “fatos consumados” para, assim, justificar sua política de remoções.

Leia o relatório na íntegra

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