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Artigo do deputado Chico Alencar (PSOL/RJ): Um começo

“Só por razões e emoções nutridas pelo ódio político alguém se rejubila pela condenação dos réus do mensalão. Isso não é motivo de alegria, até porque o marco histórico contra a impunidade dos poderosos, para ser inscrito na vida jurídica e política do país, ainda precisa superar outras etapas. Alguns dos condenados do momento, é verdade, têm história de vida admirável, na resistência à ditadura e na construção democrática. Estão sofrendo sanções exata e justamente por praticarem, no poder, o que sempre criticaram quando na oposição. Uma pequena tragédia, que cristaliza, na percepção das novas gerações, a ideia de que ‘os políticos são todos iguais’. É incalculável o quanto isso significa no desencanto com a atividade política, por mais que venham sinais promissores que a impunidade dos ‘de cima’ pode estar começando a acabar.

Sim, parece claro que boa parte da mídia grande tem especial prevenção contra o PT – hoje um partido social-liberal – e a esquerda. A cobertura do julgamento da Ação Penal 470, popularizada com o apelido de ‘mensalão’ – revela isto. O pouco destaque dado até agora a processos similares, que tardam, como o ‘mensalão tucano’ de Minas Gerais – Ação Penal 536 –, o do DEM/DF – Ação Penal 707, em curso no STJ – e o arrefecimento do noticiário em relação ao escândalo Cachoeira/Delta o confirmam. E são esses e outros casos judiciais que precisam ser analisados em instância terminal, para que a justiça seja completa e tenhamos, de fato, um paradigma jurídico-político que inaugurará uma nova etapa da nossa moralidade republicana.

Feitas essas preliminares, é preciso lembrar que nada do que o STF está decidindo agora é ‘raio em céu azul’. Fui do Diretório Nacional do PT e lembro bem de conversa com Genoíno quando renunciou à presidência do PT, no auge das denúncias que deixavam atônitas as bases do partido – e fizeram o presidente Lula se sentir ‘traído’, como declarou, com calculada sinceridade… Genoíno, este sempre muito franco, disse que participar da disputa majoritária – foi candidato a governador de SP –, com os acordos e os elevados recursos que envolvia, tinha sido, para ele, uma ‘entrada no inferno’. “Meu mundo é o do debate político, não o da administração e viabilização de recursos”, lamentava, embora vinculado politicamente ao setor dominante que praticava esta ‘realpolitik’.

O PT, por decisão da maioria dirigente, fez uma escolha deliberada de aproximar-se, até organicamente, de partidos de corte fisiológico e e patrimonialista e de figuras como Valdemar Costa Neto (PR), Roberto Jefferson (PTB), Maluf (PP), Collor, Sarney, Barbalho. Isso sempre cobra um preço: o de afrouxar as fronteiras ideológicas e éticas. Mas foi de caso pensado, por parte de parte da cúpula do partido. Os que resistimos fomos, paulatinamente, sendo colocados à margem. Tudo em nome de um conceito tão novo quanto enganoso: ‘governabilidade’.

Estive, ainda no PT, nas tentativas de ‘refundação’, com Tarso Genro à frente. O grupo liderado por Zé Dirceu, que segue forte, não permitiu avanços nessa direção.

Não dá para clamar contra a parcialidade ou o ‘reacionarismo’ do STF, como alguns fazem. Não é irrelevante o fato de que a maioria dos ministros do Supremo tenha sido indicada por Lula – maioria insuspeita, portanto. Ayres Britto, o presidente, já foi até candidato pelo PT em Sergipe! As decisões de condenação têm sido tomadas por larga margem, o que revela um grau de convicção, derivada dos autos, que reforça a compreensão de que faz-se, de fato e de direito, justiça.

Independentemente da maior ou menor repercussão eleitoral do julgamento, o PT, enquanto coletivo político, vai continuar. Ele está hoje entre os maiores partidos brasileiros, com uma invejável estrutura política, financeira e de representação. Com crescente capilaridade, ainda que em marcha batida para a “peemedebização”, a adaptação plena ao sistema vigente. Talvez isso explique o fato de não se ter, até aqui, lido ou ouvido qualquer autocrítica da agremiação. Autocrítica, aliás, era uma antiga e saudável prática da esquerda, em toda parte do mundo… Caiu em desuso, nesses tempos de pragmatismo total.

O Judiciário, com sua proverbial morosidade, começou a fazer sua parte. Resta ao Legislativo fazer a sua, que é uma Reforma Política que mude radicalmente os mecanismos de financiamento privado e milionário das campanhas e o controle social sobre os eleitos, hoje praticamente inexistente. Sem ela, os ‘ovos de serpente’ de mensalões continuarão sendo chocados, e boa parte dos eleitos nos pleitos bienais serão potenciais fichas-sujas. Mas nenhuma mudança substantiva interessa aos grandes partidos, beneficiários do modelo corrompido atual. Isso aprofunda o fosso entre Estado e Sociedade. Até quando?”

Chico Alencar é professor de História e deputado federal (PSOL/RJ)

Fonte: Jornal do Brasil, 18/10/2012

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