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Desinformação, políticas privatistas e religiosas no recolhimento forçado

O debate atual em torno do suposto “combate ao crack” tem servido como justificativa para diversos retrocessos nas conquistas antimanicomiais, de direitos humanos e da gestão pública da saúde. Entre as medidas adotadas, destaca-se o avanço de tratamentos religiosos sob a tutela do Estado e implementados por convênios com as comunidades terapêuticas.

Essas instituições surgiram da iniciativa privada, defendendo em sua maioria a cura pela conversão religiosa. Diversas entidades de defesa de direitos humanos, conselhos de categorias da saúde mental, membros do legislativo e especialistas se posicionam contra as mesmas, visto que há graves denúncias de violações de direitos humanos e por constituírem um avanço das políticas de privatização. As principais denúncias se baseiam no isolamento e difícil acesso das clínicas, separando o usuário do contato social; imposição religiosa; impedimento de acesso a familiares ou amigos nos três primeiros meses de internação; além de diversas denúncias de torturas e humilhações.

A partir das práticas de internações forçadas desenvolvidas desde 2011 no Rio e agora avançando para o recolhimento de adultos, estamos diante de uma política articulada de desenvolvimento destas instituições. As comunidades terapêuticas passaram a ocupar um espaço negligenciado pelo poder público, o qual não concretiza sua obrigação de implementar uma rede de saúde mental que substitua as internações como primeira opção. Em vez de desenvolver a ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), dos Consultórios de Rua, Centros de Convivência e outros serviços de base comunitária, as últimas medidas avançam na política de apropriação privada dos recursos públicos e o direcionamento religioso dos tratamentos, o que não é política de saúde.

Nesse sentido, repudiamos a recente criação da Secretaria Estadual de Prevenção à Dependência Química, cujo secretário nomeado Filipe Pereira (PSC-RJ), ex-deputado federal e liderança da Assembleia de Deus, anunciou que atuará em parceria com as comunidades terapêuticas. Consideramos que a criação dessa secretaria é um equívoco em si, pois o uso problemático de drogas cabe à gestão da Secretaria de Saúde, devendo integrar o usuário à rede de saúde existente e desenvolver a mesma.

A criação da Secretaria surge no período em que o Projeto de Lei 7663 encontra-se em regime de urgência para votação no Congresso Nacional. Entre seus artigos, que alteram a Lei de Drogas de 2006 (Lei nº 11.343), fala-se em “valorizar as parcerias com instituições religiosas, associações, organizações não-governamentais na abordagem das questões de sexualidade e uso de drogas” (art. 5-C, VI), além de avançar na institucionalização das internações forçadas em nível nacional. Recentemente o PL foi apreciado em comissão especial, que tinha como relator o deputado Carimbão (PSB-AL), dono de várias Comunidades Terapêuticas e Presidente de Honra da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Terapêuticas, Acolhedoras e APAC’s. As comunidades terapêuticas avançam na Câmara no momento de avanço do conservadorismo, ocorrendo simultaneamente à nomeação do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. O programa deste, repudiado por evangélicos em abaixo-assinado, se baseia no retrocesso dos direitos humanos de forma generalizada.

Além disso, desde a primeira operação de recolhimento de adultos, em 19 de fevereiro deste ano, foram realizadas duas visitas de fiscalização aos locais onde teriam sido encaminhados, mas o que encontramos são apenas versões contraditórias de seus paradeiros. No dia 21 de fevereiro, uma equipe – composta pelo CRP/RJ, CRESS/RJ, Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Mandato do Deputado Estadual Marcelo Freixo e Mandato do Vereador Renato Cinco – visitou o Abrigo Rio Acolhedor, primeiro lugar onde os recolhidos da operação teriam sido encaminhados. Os responsáveis dificultaram nosso acesso às informações e não declararam onde estariam os adultos. Segundo a mídia, 29 pessoas foram internadas nessa primeira operação, algumas delas na comunidade terapêutica Fazenda Esperança, em Teresópolis. Em paralelo à visita, diversos ofícios foram encaminhados questionando onde estariam os recolhidos e quais foram os critérios para os encaminhamentos. Nenhum dos ofícios que enviamos foi respondido. Instituições como a Defensoria e o Ministério Público também solicitaram informações sobre as ações da prefeitura. Diante da omissão de informações, no dia 15/03, o grupo de fiscalização visitou a Fazenda Esperança, onde supostamente estaria parte dos adultos internados. Entretanto, na visita ao local não havia nenhum interno advindo da operação. Os coordenadores da fazenda explicaram que a intenção do convênio existia, mas não foi realizada por inexistir equipe técnica na comunidade, contando apenas com os coordenadores e um padre. Até agora, o destino dos adultos recolhidos permanece como um mistério. Há ainda o problema do acolhimento dos filhos dessas pessoas, que estão em abrigos superlotados e distantes de suas famílias.

Defendemos que a imposição de métodos religiosos nas políticas públicas fere o princípio do Estado Laico, passo fundamental para consolidação da democracia em nossa sociedade. Além disso, reafirmamos a necessidade da saúde pública e universal, bem como o respeito às deliberações das Conferências de Saúde Mental, as quais avançam no sentido da desinternação e integração dos usuários ao contexto social, a partir de uma rede de saúde articulada e de base comunitária. A desinformação e a confusão de dados vêm predominando quanto ao resultado das operações da prefeitura. Apesar das iniciativas, não sabemos onde estão os adultos recolhidos à força. O que percebemos é que as internações forçadas, sejam elas involuntárias ou compulsórias, são uma medida de “limpeza social” da cidade, escondendo nossas mazelas no lugar de solucioná-las e servindo de justificativa para que setores privados possam lucrar e se ampliar com a anuência do poder público.

Vereador Renato Cinco (PSOL/RJ)
Vereador Eliomar Coelho (PSOL/RJ)
Vereador Paulo Pinheiro (PSOL/RJ)
Deputado Estadual Marcelo Freixo (PSOL/RJ)
Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ)
Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL/RJ)

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