Quando, no ano passado, a prefeitura detectou que, dentro de um universo de 690 mil alunos, cerca de 25 mil entre o 4º ano e o 6º ano eram analfabetos funcionais, a notícia não chegou a causar espanto entre os professores que se deparam com esta realidade dentro de sala de aula. O analfabeto funcional identifica letras mas não consegue formar palavras, muito menos interpretar o que lê ou se expressar na escrita. Também é incapaz de fazer operações matemáticas mais elaboradas. O cenário não poderia ser diferente dentro de uma rede municipal de ensino com grande deficit de professores e que vem sofrendo sonegação de investimentos há anos.
A escolas cariocas adotam o sistema de progressão automática nas três primeiras séries (1º ano, 2º ano e 3º ano), ou seja, o aluno é aprovado automaticamente. O MEC pretende recomendar que o fim da reprovação no primeiro ciclo seja estendido à todas as cidades brasileiras, como já acontece aqui. A intenção é reduzir a evasão escolar.
O problema reside no fato do município ter que alcançar índices de aprovação, diminuir a evasão escolar e principalmente, acabar com a defasagem série/idade. Isso mostraria que o Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, estaria superando o problema da aprendizagem. As autoridades buscam resultados estatísticos para atender à metas estabelecidas por órgãos internacionais e pelo Plano de Desenvolvimento da Educação do governo.
A prática explica porque tantas crianças da nossa rede de ensino chegam ao 4º, 5º e 6º anos sem, de fato, saber ler e escrever. A ideologia do ciclo nas primeiras séries é boa porque, teoricamente, respeitaria o tempo de cada aluno para sua aprendizagem. O problema está na falta de condições: turmas superlotadas, falta de uma equipe multidisciplinar para ajudar o professor com alunos que tem maiores dificuldades.
Para “forçar” esta aprovação, a secretaria exige a elaboração de relatórios, com colocação de notas, etc. Isso aumenta a burocratização do trabalho do profissional de educação que tem menos tempo para discutir o que é mesmo importante que é o processo pedagógico. Existem professores que não tem sequer tempo garantido de almoço. E os profissionais das turmas com alunos com deficiência? Onde está a equipe muiticisciplinar para ajudá-los?
Para reveter este quadro, só há uma saída: enfrentar um dos maiores inimigos da educação pública, o deficit de professores. No ano passado, a secretaria nos informou que havia um deficit de 12 mil professores e mil funcionários administrativos, incluindo 335 inspetores. Acompanhamos, pela imprensa, informes sobre contratação de novos professores. Mas, a realidade da falta de profissionais de ensino nas escolas persiste.
Pois bem, ao levantar o número de crianças analfabetas funcionais, a prefeitura adotou o programa Acelera na tentativa de consolidar a apreensão do conteúdo programático. Este ano, de acordo com dados da secretária municipal de Educação, Claudia Costin, o projeto vai atender 3.856 alunos do 4º e 5º anos do Ensino Fundamental. Um contigente daqueles analfabetos funcionais passaram por turmas de realfabetização no ano passado para amadurecer o processo da leitura.
Novamente, na prática, o que os professores estão comprovando em sala de aula é que algumas destas crianças evoluíram muito pouco. Se antes sequer liam “vovô”, agora conseguem ler “vovô viu a uva”.
É claro que algo tem que ser feito. Mas, cansados de ver políticas mal encaminhadas, equivocadas, com resultados pífios e paliativos, os professores temem que programas com empresas privadas como Sangari, Fundação Roberto Marinho e Alfa e Beto não assegurem o básico. De onde vem os recursos para estas contratações, do tesouro ou do FUNDEB? Com certeza, as verbas utilizadas com esses convênios não são poucas! Se o dinheiro que a Sangari ganha para fazer kits de extrema simplicidade usando materiais como pauzinho de churrasco fosse para as escolas, seria viável implantar laboratórios de qualidade nas instituições da rede municipal de ensino.
Parece que falta vontade política do Executivo para investir no que é prioridade. Falta vontade política para municiar as escolas de elemento humano. Mais professores, mais inspetores, mais coordenadores pedagógicos…um número suficiente para suprir a demanda das salas de aula.
O trabalho deve ser aplicado mesmo é na base. Outro programa adotado pela secretaria, o Se Liga, voltado para alunos do 6º ao 9º ano, esbarra na grande defasagem de idade dos alunos. Muitos já são mais velhos e, por falta de estrutura adequada, se desinteressam e abandonam a escola. A metodologia adotada não está de acordo com a idade dos alunos. Usar “vovó viu a uva” com alunos acima de 11 anos é, no mínimo, cômico para não dizer trágico.
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