O artigo abaixo foi escrito pela urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Onu para o direito à moradia adequada. É sobre as arbitrariedades no processo de remoção de moradores nas comunidades de Vila Recreio II, Vila Harmonia e Restinga. Recomendo a leitura…
Olímpiadas Truculentas
por Raquel Rolnik
“O plano olímpico da cidade do Rio de Janeiro tem revelado, na última semana, uma forte ambigüidade na qualidade de grande projeto de desenvolvimento urbano. No mesmo ritmo em que são feitos os investimentos públicos em infra-estrutura de transportes, e nas instalações esportivas, têm ocorrido vários episódios lamentáveis de violações de direitos básicos e de desrespeito à condição humana.
Horror e tensão resumem o que inúmeras famílias têm passado na zona oeste do Rio desde o último dia 15. Denúncias recebidas de moradores, observadores e da Defensoria Pública do Rio de Janeiro relatam o abuso de poder e o verdadeiro estado de exceção que se estabeleceu às margens da Av. das Américas, que corta as comunidades Vila Recreio II, Vila Harmonia e Restinga no Recreio dos Bandeirantes.
Sem qualquer negociação ou abertura ao diálogo, equipes da subprefeitura da Barra da Tijuca incluindo 40 homens da Guarda Municipal começaram uma operação de remoções sumárias e demolições de lares e pontos comerciais na área para a construção do Transoeste: um corredor de ônibus padrão BRT que fará a ligação da Zona Sul à Barra, região que concentrará a maioria das instalações e modalidades olímpicas em 2016.
Segundo denúncias, retro escavadeiras da empreiteira que constrói o corredor estariam derrubando casas com mobílias e pertences dentro. Durante o dia 15, alguns moradores alegam que tiveram suas casas derrubadas enquanto estavam fora trabalhando e outros que receberam um prazo até meia noite daquele dia para se retirarem e darem espaço às máquinas.
Uma equipe do Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro conseguiu, em caráter emergencial, uma liminar que suspendia as remoções forçadas, pois os oficiais da subprefeitura agiam sem ordem judicial de despejo ou intimação. Entretanto o pesadelo para os moradores dessas três comunidades da zona oeste carioca não terminou, já que a liminar da justiça não era válida a todos os imóveis.
Nem as casas de santo – terrenos sagrados à tradição Candomblé, há décadas instalados ali – estão seguras das máquinas. Os moradores e representantes religiosos já realizaram duas mobilizações de repúdio a ação da prefeitura do Rio pelo modo como vem conduzindo as obras das Olimpíadas em detrimento do direito e da dignidade dos que vivem no caminho dos projetos.
Sem muito efeito, na madrugada do dia 17 para o dia 18 policiais arrombaram casas expulsando as famílias e ameaçando todos de prisão. Muitos descrevem as cenas como a de uma batalha: roupas, objetos pessoais, malas, tudo jogado no chão na beira da via por onde trafegam continuamente caminhões, automóveis e agora pessoas sem um lugar para onde ir ou voltar.
Não longe do Recreio dos Bandeirantes, o projeto olímpico também é conduzido, mas em tom menos hostil. No início da mesma semana, a prefeitura do Rio assinou o contrato de construção das mais de 2,4 mil unidades habitacionais de alto padrão, que comporão a Vila Olímpica na Barra da Tijuca e depois serão comercializadas por não menos que R$400 mil. O valor total estipulado para o projeto da vila é de quase R$1 bilhão e deve receber financiamento da Caixa Econômica Federal.