“Os fatos divulgados publicamente desde a invasão da comunidade de Pinheirinho são suficientes para caracterizar violações em massa cometidas durante o despejo. A OAB federal, a relatoria sobre moradia da ONU e o próprio governo federal (que poderia ter agido muito antes e com muito mais empenho para evitar o desfecho brutal) já se pronunciaram neste sentido. Entretanto, o caso é muito mais grave: envolveu conflitos sérios entre as esferas federal e estadual, ao nível do judiciário e do executivo, tratamentos degradantes aos despejados durante e após a operação, obstrução ao trabalho da imprensa e de organizações e instituições defensoras dos direitos humanos, destruição e abandono ao saque dos bens das famílias despejadas por parte do poder público.
(…) Na madrugada do dia 16 de janeiro de 2012, quando a força policial já se posicionava para executar a reintegração, a juíza federal substituta Roberta Monza Chiari deferiu liminar determinando às forças estaduais de segurança que não promovessem a desocupação, já que foi reconhecido o interesse da União no processo de regularização do local e a inexistência de motivos concretos para a realização apressada de um ato de remoção.
Paralelamente, ao nível da justiça estadual, por iniciativa de parlamentares do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Assembléia Legislativa de São Paulo, com a participação das partes do processo (Selecta e moradores), buscou-se um acordo que resultou na suspensão do processo pelo prazo de quinze dias, segundo decisão do juiz titular da 18a Vara Cível de São Paulo Luiz Bethoven Giffoni Ferreira, proferida no dia 18 de janeiro, visando à concretização do acordo de regularização entre as esferas governamentais (apenas a prefeitura resistia a concluí-lo).
A ordem de reintegração começou a ser executada aproximadamente às 05:30 da manhã do dia 22, poucas horas após o fim da comemoração da suspensão pelos moradores. Entretanto, muitos moradores relataram que, no começo, a presença e a ação policial em Pinheirinho estava sendo vista como uma “operação pente fino”. (…)
Aparentemente funcionários da prefeitura etiquetaram os pertences e lacraram as casas, mas a demolição das residências começou (talvez ainda no dia 22, mas com certeza já no dia 23) antes que todos pertences fossem removidos para depósitos municipais. Um desses casos é o de José Francisco dos Santos, que foi informado que poderia voltar no dia 24 de janeiro com um caminhão que seus bens poderiam ser retirados. Entretanto, ao voltar, constatou que sua casa havia sido derrubada por cima de todos os seus bens. Um policial presente no local lhe informou que faria um boletim de ocorrência, porém não entregou nenhum tipo de comprovante a José Francisco. Caso semelhante ocorreu com duas mães que preferiram não se identificar. Com filhos entre seis meses e quatorze anos, a polícia apenas as deixou utilizar dois sacos de lixo para acondicionar seus bens. Tudo que não coubesse, teria que ser deixado para trás.”
Relatório elaborado por Brigadas Populares, Justiça Global, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência.