Reproduzo a carta dos moradores e pescadores de Santa Cruz, vítimas da poluição causada pela CSA.
Declaração de Santa Cruz
“Nós, moradores e pescadores do entorno da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TK-CSA), estamos sofrendo com os impactos negativos da empresa desde 2006, início da instalação do projeto da siderúrgica. Desde então, muitos grupos e organizações vêm denunciando, dentro e fora do Brasil, os crimes socioambientais e as constantes violações de direitos humanos cometidos pela TK-CSA. No início, eram os pescadores artesanais que sofriam com a poluição e contaminação das águas, o desmate do manguezal, a redução e comprometimento da pesca e a privatização dos rios e da Baía.
Com a inauguração da TK-CSA, em 18 de junho de 2010, esse universo aumentou, passando a incorporar moradores que pagam com a saúde e qualidade de vida pela fixação da empresa em sua vizinhança. As crianças, os idosos e as mulheres são os que mais sofrem.
Além da poluição, as obras da empresa alteraram o sistema de drenagem do entorno da planta elevando a ocorrência de alagamentos. O trem que chega com minério, e que passa próximo a muitas residências, é fonte de muito ruído e poeira e algumas vias públicas foram fechadas e privatizadas pela empresa, como a antiga estrada que liga Santa Cruz a Itaguaí.
Desde 2006, avanços foram obtidos. Em dezembro passado, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ajuizou uma ação penal responsabilizando a empresa e dois dos seus diretores (que podem pegar até 19 anos de prisão) por crimes ambientais. No dia 14 de dezembro, o MPRJ e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) determinaram que fosse realizada uma auditoria independente para permitir o funcionamento do segundo alto-forno. Contudo, como a empresa possui poder econômico e político muito grande, dois dias depois, o governo do Estado e a secretaria do Ambiente passaram por cima dessa medida e autorizaram o funcionamento da usina. Isso gerou maiores emissões do pó prateado, com ápice no dia 26 de dezembro. Logo após, a TK-CSA declarou, com o consentimento da secretaria de Ambiente, que indenizaria 6 mil famílias de Santa Cruz unicamente pelo incômodo de terem tido suas residências sujas. A empresa insiste que o único impacto negativo foi a sujeira causada às residências! No dia 5 do corrente mês, o INEA aplicou outra multa na empresa e exigiu a realização de ações de compensações no entorno da usina.
A multa e as medidas de compensação são necessárias e uma importante vitória. Contudo, não bastam! Nós, os pescadores e moradores do entorno da empresa, sofremos continuamente com os impactos negativos da TK-CSA. Especialistas da Fiocruz afirmam que o material particulado emitido pode conter elementos que irritam o aparelho respiratório e que podem provocar até câncer. No curto e médio prazos, já se nota o aumento de casos de alergias dermatológicas, respiratórias e oftalmológicas. Não obstante a multa, a compensação dessas famílias é um DIREITO da população e responsabilidade da empresa. A conclusão de que o único dano causado foi a sujeira é infame e criminosa, pois omite a responsabilidade da TK-CSA e viola direitos. A compensação deve ser por todos os danos causados até o momento: na saúde, no meio ambiente, nas moradias, na qualidade de vida e na negação do direito ao trabalho. Deve também ser estipulada, em montante, por um órgão independente, como o Ministério Público ou universidades e instituições de pesquisa; não pela própria empresa com interesse em subvalorizar sua responsabilidade.
É inadmissível que a empresa, no lugar de compensar os moradores por todos os danos causados, arque somente com a limpeza das residências e com obras de maquiagem como pavimentação e asfaltamento, drenagem de canais, projetos em escolas e construção de unidades de saúde. As obras de infraestrutura pública e de saneamento básico e, principalmente, os serviços de educação e saúde, que são direitos constitucionais, são essenciais e um direito da população da Baía. No entanto, devem ser providos a todos e sem distinção pelo estado e não pela iniciativa privada. São direitos essenciais a vida digna e, portanto, não podem ficar a mercê das variações do mercado e de ações de marketing das empresas.
Ao mesmo tempo, a escolha da Usiminas para realizar auditoria na TK-CSA implica um alto grau de conflito de interesses e descaracteriza a independência exigida pelo MPRJ. A Usiminas tem a PREVI como detentora de parte do seu capital votante que também é um dos maiores controladores da Vale, sócia da TK-CSA. A Vale, em 2008, detinha inclusive ações da Usiminas.
Exigimos que a licença prévia da usina não seja renovada e que a Licença de Operação definitiva da TK-CSA seja negada. O processo produtivo da empresa e as medidas de prevenção da poluição precisam mudar. Além das claras evidências, a experiência comprova que a usina coloca em risco a saúde e o meio ambiente. A concessão da Licença de Operação será o mais grave crime socioambiental contra a Baía de Sepetiba. Ela fere e desrespeita o Princípio da Precaução fundamentado na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938, de 31/08/1981).
Adicionalmente, a TK-CSA apresenta padrões de segurança e de contenção da poluição inferiores àqueles exigidos na Alemanha, país-sede de um de seus controladores. Lá, além de cinturões verdes para reduzir a poluição, é exigida a instalação de filtros mais eficientes, não implantados na TK-CSA em Santa Cruz pelo seu elevado custo. Adicionalmente, as isenções fiscais de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) precisam ser anuladas, bem como interrompido e cancelado o financiamento público do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por fim, clamamos pela revogação dos planos de investimento e concessões para transformar a Baía de Sepetiba num complexo siderúrgico e portuário. Esse plano representa o fim da categoria de pescadores artesanais, tão numerosos na Baía, e a transformação dela num lugar incompatível com a saúde e qualidade de vida de seus moradores. Constitui também desrespeito à Constituição Federal Brasileira (artigo 225, § 1º, inciso IV) que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Recai sobre o Poder Público a responsabilidade maior. O Estado deve ser responsável por garantir o direito à ampla informação, os devidos esclarecimentos e prestar assistência aos grupos da Baía, bem como cuidar para que o interesse público seja prioritário.
No lugar de projetos industriais de cima para baixo, nós, moradores e pescadores da Baía de Sepetiba, necessitamos e demandamos políticas públicas de geração de emprego, saúde, educação, segurança e lazer que ampliem nossa qualidade de vida e que assegurem a sustentabilidade social e ambiental da Baía de Sepetiba, hoje e no futuro.
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