Foi sancionada hoje (8/12) a Lei 9123/2020 que cria o Dia do Folião de Reis a partir de um projeto nosso em coautoria com o deputado estadual André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro — Alerj. A solicitação do então projeto nos foi feita por lideranças dessa manifestação cultural presentes em Audiência Pública que realizamos à frente da Comissão de Cultura da Alerj em 16 de setembro de 2019 para discutir o Patrimônio Imaterial do RJ.
Na ocasião, além de autoridades do poder público e pesquisadores do tema estiveram representações de Jongo e Caxambu, da Serrinha, do Morro do Salgueiro — ambos no município do Rio de Janeiro, de Angra dos Reis, de Santo Antônio de Pádua e do Quilombo do Machadinha, em Quissamã; Folia de Reis, Boi Malhadinho, Fado de Quissamã, Baianas de Acarajé, Religiões de Matrizes Africanas, Forró, Quadrilhas Juninas, Mineiro Pau, Cordel e Literatura Popular, Blocos Afro e Afoxés.
Uma série de demandas foram apresentadas. Algumas das quais buscamos atender na discussão do orçamento e do plano plurianual para 2020 — e estaremos reforçando agora no mesmo processo referente ao exercício de 2021; outras estávamos começando a encaminhar, mas a mudança total de agenda com a pandemia da Covid-19 nos impossibilitou; e outras estamos encaminhando junto com os órgãos afins, sobretudo o Instituto Estadual de Patrimônio Cultural — INEPAC e a própria Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa. Para rememorar seguem algumas delas:
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Necessidade de ações visando o reconhecimento dos mestres e mestras das culturas populares, de matrizes africanas e indígenas;
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Retorno de editais específicos para as culturas populares, afro-brasileiras e indígenas via recursos próprios da SECEC e/ou do Fundo Estadual de Cultura.
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Transportes para os grupos em seus períodos festivos: elaboração de lei para cadastro especial junto à Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro — FETRANSPOR (para ter um cartão com gratuidade no período das festas, jornadas e eventos específicos).
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Mediação junto a área de Segurança Pública para os participantes de jornadas e eventos noturnos;
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Ações de combate ao racismo institucional e a intolerância religiosa;
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Ações que apoiem a formalização e/ou a legalização dos grupos e instituições — orientação jurídica.
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Ações de educação para o patrimônio cultural imaterial e material;
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Ações para o aproveitamento da Lei 10639/2003 — que estabelece o ensino da História da África e da Cultura afro-brasileira nos sistemas de ensino e da Lei 11.645/2008, que amplia a anterior e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
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Estabelecer parcerias do INEPAC com os municípios para a preservação do Patrimônio, orientação sobre salvaguarda, inventários, legislação e conselhos municipais de tombamento etc.
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E outra solicitação foi o apoio para a criação no município de São João de Meriti, onde o mesmo morava, do Museu Marinheiro João Cândido, cuja luta para a sua constituição já dura 13 anos e, já tendo sido apresentada a diversas instituições, como a Fundação Palmares e o Instituto Brasileiro de Museus — IBRAM.
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Indicação Legislativa da Alerj para que o INEPAC inicie processo de reconhecimento do Presente de Iemanjá como Patrimônio Cultural Imaterial do RJ.
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Foi solicitado ainda que o dia 2 de fevereiro, data das elebrações denominadas “presentes de Iemanjá”, que ocorrem em diferentes locais, como Sepetiba, e Pier da Barra da Tijuca, ambas no Rio de Janeiro Praia de Charitas/Niterói e Praia das Pedrinhas/São Gonçalo (citamos aquelas cujos organizadores estiveram presentes a Audiência Pública), seja inscrita no Calendário Estadual de Eventos.
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Mestres e mestras das culturas populares: outro ponto que nos interessa é a restituição do Prêmio regular para os fazedores de culturas, conforme aliás é previsto na Lei 7035/2015. Para essa ação, inclusive, existe previsão de dotação na Lei Orçamentária de 2019, fruto de uma emenda parlamentar de minha autoria.
Tem ainda a discussão do registro do patrimônio imaterial no Estado do Rio de Janeiro que comentaremos mais à frente. Então voltando ao tema do Dia do Folião de Reis, esse é um ponto dentro de um conjunto de ações em discussão, em elaboração ou suspensas em função da agenda da pandemia, mas que não estão esquecidas e por isso até elencamos acima algumas destas.
E o Dia do Folião de Reis, tendo como referência a data simbólica da anunciação do nascimento de Jesus Cristo, não substitui, ao contrário, se soma e promove o calendário das Folias Reis e visa ainda fora dele, prestar homenagem aos que o fazem acontecer, os devotos, os brincantes, os organizadores etc.
Uma das precursoras dessa solicitação, conquistada primeiro em seu município, é a D. Nora, do Reisado Flor do Oriente, de Duque de Caxias (é uma das folias mais antiga do Brasil em atividade. Fundada em 1872 em Minas Gerais e radicando-se depois na Baixada Fluminense), que nos deu o seguinte depoimento:
“Um deles (motivos para o Dia do Folião de Reis) e que somos seguidores de Cristo, deixamos nossas casa e famílias para levar as boas novas ao próximo que nos recebem de portas aberta para ouvir o cântico dos foliões. Por esta e outras em conversa com alguns mestres (como o saudoso Mestre Riquinho da Santa Marta) e o Mestre Rogério (daqui) de Duque de Caxias, eu, Leonor Alferes da Flor do Oriente e conselheira (municipal) de cultura procurei a Câmara de vereadores onde fui atendida de imediato pelo então vereador Moa (Moacir Anselmo) que prontamente levou a votação e foi aprovado com unanimidade (…) E assim tivemos o nosso Dia do Folião, 25 de março por ser o dia da anunciação (Lei municipal 2621 de 7/4/2014) E é o que os Foliões fazem, anunciar o nascimento de Jesus. Será uma honra saber que no Estado do Rio de Janeiro também iremos comemorar! E vai ser melhor ainda quando catalogar todas as folias do estado, já será um bom motivo, pois as folias não são um só folião. Esta será uma homenagem a todos, do mestre ao tocador de prato.”
Realmente temos muitos foliões e folias de reis espalhadas por todas as dez regiões do estado. Geralmente são formadas por grupos familiares ou próximos, fruto da devoção ou de alguma promessa, reproduzindo no ciclo natalino (25/12 a 06/01) a viagem dos três reis magos à procura do prometido filho de Deus, guiados por uma estrela (não à toa várias bandeiras levam o nome de estrelas). Na região metropolitana, mas também em outras, as saídas das folias não se restringem ao ciclo natalino, estendendo-se até o dia 20/1, celebrando São Sebastião, um santo querido do catolicismo popular.
Do Sul ao Noroeste do Estado, encontraremos folias em exercício — a despeito das muitas dificuldades para a manutenção das jornadas e relatos de bandeiras extintas ou momentaneamente desativadas. Por outro lado, vimos municípios em que a única manifestação cultural popular relatada pelas prefeituras ou órgãos culturais ou que conseguimos aferir é a Folia de Reis. Estado afora, além das jornadas individuais, destacam-se os festivais, festas ou encontros de folias ou de folclore, como são chamados em alguns casos. Rejeitamos, ainda assim, um discurso fácil de escassez ou fim das manifestações, sem nós iludirmos quanto às condições das culturas populares no Estado do Rio de Janeiro e por isso temos uma agenda com as demandas desses e outros grupos.
E também atendendo as demandas da citada audiência e o compromisso da Comissão de Cultura com a construção de políticas culturais estruturantes para todas as áreas, temos uma participação ativa na Comissão Estadual do Patrimônio Cultural Imaterial do Rio de Janeiro — CEPCI, junto ao INEPAC e que no momento discute a metodologia de instrução do registros dos bens culturais imateriais no Estado do Rio de Janeiro, que disciplinará todo esse processo (e permitirá que tenhamos um mecanismo similar ao existente no nível federal) e atendendo duas leis existentes no RJ sobre o assunto: a de nº 5.113, de 19 de outubro de 2007, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem o Patrimônio Cultural Fluminense; e a nº 6.459, de 3 de junho de 2013, que dispõe sobre o patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio de Janeiro; regulamentadas por sua vez pelo Decreto Nº 46.485, de 5 de novembro de 2018.
Para Leon Araújo, diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial do INEPAC, o órgão:
“(…) desde sua fundação em 1975, apresentou a abordagem multidisciplinar como um diferencial que conduziu à realização de diversos projetos junto aos Mestres das culturas populares do Estado. Dentre eles, o grande destaque foi o apoio dado aos Mestres e Mestras das Folias de Reis, através do incansável e inestimável trabalho dos professores da extinta Divisão de Folclore, parte da equipe técnica do Instituto.
O trabalho conjunto realizado entre equipe do Inepac e os Mestres detentores das Folias de Reis gerou um mapeamento que segue sendo atualizado, possibilitando ações como a distribuição das carteirinhas aos grupos – uma forma de fazer saber sobre a lei estadual nº 4.509, de 13 de janeiro de 2005 – e os estudos para a instrução do processo de registro dessa forma de expressão.
A nova lei, além de ser de extrema sensibilidade, dá fôlego novo à luta que se trava pela salvaguarda dessa manifestação cultural que tem o rosto do cidadão fluminense, e que diz muito sobre nossa identidade, histórias e memórias. Que o próximo 25 de março seja o mais alegre para todos os grupos de Folias de Reis do Estado do Rio de Janeiro!”
Arrematando essa jornada ficamos com a declaração em forma de poesia do Mestre Hevalcy da Folia de Reis Sagrada Família de Mangueira, presente na audiência lá em setembro de 2019 e formalizador em nome dos outros grupos do pedido do Dia Estadual do Folião de Reis:
“Folia de reis é cultura
Folclore e religiosidade
O dia do folião de Reis
Nos trará muita felicidade
Lutamos para não sermos esquecidos
Precisamos ser reconhecidos
Patrimônio desta cidade
Este é um grande passo
Dado pelo Deputado Eliomar
Em prol de nós foliões
E a cultura popular
25 de Março começa a história
Vindo um anjo lá da glória
Para a Maria anunciar”.