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Brasil de Fato: Quatro exemplos de resistência

Reportagem do site Brasil de Fato
por Maíra Mathias, Raquel Júnia e Raquel Torres

“No meio do caminho para deixar a cidade mais bonita para os turistas que chegarão ao Rio durante Copa do Mundo e Olimpíadas tinha uma comunidade. E continua tendo, graças à resistência de centenas de pessoas, apesar da investida sistemática dos governos com os argumentos já desgastados de que não se pode barrar o progresso, de que as famílias serão recompensadas, de que haverá assistência no deslocamento, de que um estacionamento é mais importante agora e etc. Em entrevista ao Brasil de Fato, pessoas que participam ativamente de processos de resistência relatam as dificuldades de quatro comunidades no Rio de Janeiro que têm sido emblemáticas na luta por direitos: a Aldeia Maracanã, localizada no terreno do antigo Museu do Índio, ameaçada de demolição e remoção pelas obras da Copa do Mundo; a Vila Autódromo, que há anos sofre ameaças de despejo por governos interessados em explorar a área, na beira da lagoa de Jacarepaguá; o Morro da Providência, com obras de “revitalização” que projetam a remoção de um terço das famílias moradoras; e o território de Manguinhos, alvo de diversas violações aos direitos humanos pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O encontro aconteceu em uma manhã de sábado, no antigo Museu do Índio. Até a data do fechamento dessa edição, o governo estadual havia voltado atrás da decisão de demolir o prédio do antigo museu, mas continuava inflexível em relação à remoção da aldeia. Leia abaixo a entrevista com Jane de Oliveira, diretora social da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Sidney Ferreira, um dos fundadores da Comissão pelo Direito à Moradia da Providência e membro do Fórum Comunitário do Porto, Urutau Guajajara, mais conhecido como Zé, é professor de línguas indígenas e uma das lideranças da Aldeia Maracanã e Fernando Soares, coordenador do Laboratório de Direitos Humanos de Manguinhos e um dos fundadores do Fórum Social da Comunidade.

Brasil de Fato – O que está acontecendo nas comunidades de vocês?

Zé Guajajara – Nossa luta tem sido mais intensa a partir de 2006, quando ocupamos o prédio do antigo Museu do Índio, abandonado desde 1977. Nossa ideia sempre foi a de devolver aos indígenas um patrimônio que desde a origem foi ligado a eles. Essa história remonta a 1865, quando o duque de Saxe doou o prédio ao Império brasileiro para a criação de um centro de estudo de sementes nativas e das populações indígenas que as manipulavam. De lá para cá, esse prédio já abrigou o Serviço de Proteção ao Índio, fundado pelo Marechal Rondon, que é a Fundação Nacional do Índio (Funai), até finalmente se transformar, em 1953, no Museu do Índio. Esse patrimônio tem sido inseparável das populações indígenas. Então, em 2004 reunimos indígenas de diversas etnias e tentamos a retomada do prédio, sem sucesso. Em 2006, já com maior número de indígenas e apoiadores, o retomamos com uma meta clara – a revitalização e gestão autônoma. Não existe no Brasil um patrimônio indígena pensado e administrado por indígenas. A partir do fim de 2012 o governador Sérgio Cabral veio nos ameaçar, dizendo que comprou esse imóvel e iria derrubar tudo para fazer qualquer coisa no lugar – shopping, estacionamento, nem o próprio governo sabe.

Sidney Ferreira – No fim de 2010, chegou um pessoal na Providência se dizendo agente público da prefeitura, pedindo aos moradores para deixarem tirar as medidas das casas porque haveria melhorias nas habitações. E quem não quer melhoria? É claro que a comunidade abraçou e deixou tirarem medidas. Mas, no começo de 2011, o prefeito Eduardo Paes foi à comunidade apresentar o projeto dele para a Providência. Inclusive chegou a dizer que os moradores tinham que aprender a ser espertos, a ganhar dinheiro com os gringos, que qualquer banca de cocada e bolinho que um morador botasse e anunciasse que eram receitas de uma avó escrava, os turistas iriam adorar. Afirmou isso, induzindo o povo a agir errado, e foi embora. Não houve consulta popular, nenhuma participação dos moradores, ou seja, o projeto foi feito de forma totalmente adversa às necessidades dos moradores e à legislação. Uma semana depois, os agentes da prefeitura chegaram marcando inúmeras casas com a sigla da SMH, Secretaria Municipal de Habitação, que a gente denomina como “Sai Morador Hoje” – o morador que tivesse a casa marcada teria que sair. Os termos oferecidos para deixarmos nossas casas eram uma indenização de valor irrisório, o aluguel social de R$ 400, ou uma compra assistida, que é uma ilusão. No projeto oficial, 832 famílias teriam que ser removidas, um terço da comunidade. Eles também ofereceram alguns apartamentos, mas, de lá pra cá, só está sendo construído um conjunto habitacional, com apenas 162 apartamentos.

Quem reuniu os moradores para começar a “passar vaselina” no pessoal foi o capitão da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora]. Mas no fim de fevereiro ele mostrou a cara e falou: “Gente, eu trabalho para o estado, é uma hierarquia. Se cair a ordem no meu colo para tirar, eu vou botar pra fora”. A partir daí, os moradores começaram a se organizar, primeiro em grupos separados, depois todos juntos, com a criação da Comissão Pelo Direito à Moradia da Providência, em março.”

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