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Carta dos moradores de favelas ao prefeito

Recebi a “Carta Aberta dos Moradores de Favelas ao Prefeito e à População da Cidade dos Rio de Janeiro”, que foi aprovada na última reunião do Conselho Popular do Rio de Janeiro. A carta será entregue amanhã, ao prefeito, durante ato que será realizado em frente a prefeitura. Por achar o movimento legítimo e o conteúdo muito congruente, decidi publicá-la na blog.

Carta Aberta
“Tendo em vista a tragédia ocorrida após as últimas chuvas que atingiram principalmente as favelas e as comunidades pobres, vimos manifestar ao Poder Público e à população da Cidade do Rio de Janeiro o seguinte:

Os problemas e as tragédias que hoje afligem principalmente os moradores de favelas não são frutos do acaso, mas da omissão e descaso do Poder Público que há décadas não investe em políticas públicas de habitação, na realização de obras de urbanização, infraestrutura, contenção de encostas, drenagem, reflorestamento, coleta de lixo e de regularização fundiária de interesse social.

O histórico de abandono em que vivem os moradores dessas comunidades levou a mais uma tragédia anunciada. É comum o descaso e a negligência com as reivindicações que há décadas são feitas pelas comunidades exigindo obras de contenção de encostas e de infraestrutura que propiciem redução dos riscos, melhores condições e qualidade de vida.

Se já não bastasse a tragédia no início de abril, sofremos com a falta de informações precisas e de transparência em relação à situação das comunidades e das ações emergenciais para o socorro das vítimas. E no desenrolar dos fatos observamos tanto a desestruturação quanto a ausência de articulação imediata dos órgãos públicos na assistência aos desabrigados e na execução de um plano de emergência.

Repudiamos a arbitrariedade na relação com os desabrigados que foram levados para locais sem condições adequadas e aliciados para que assinassem laudos de interdição genéricos sem a devida vistoria local e com desrespeito aos critérios técnicos-legais.

Os megaeventos como a Copa de 2014, as Olimpíadas de 2016 e os grandes projetos urbanísticos como a Cidade da Música, a Transcarioca e o Porto Maravilha, que geram imensos impactos sociais e ambientais, seriam, numa cidade justa, executados visando o interesse coletivo e não apenas das elites e da especulação imobiliária. No entanto, como foram ou estão sendo executadas, beneficiam principalmente áreas da cidade de alta renda ou concentração empresarial.

Diante dos fatos, os Poderes Judiciário e Legislativo não podem se associar a este ataque que os governos desferem contra os moradores mais pobres da cidade.

A grande mídia se mostra parcial e preconceituosa ao veicular notícias pautadas apenas na versão apresentada pelo governo, ignorando o ponto de vista das comunidades e de todos aqueles que defendem o direito de todos a cidades planejadas, seguras e sem desigualdades.

É inaceitável o retrocesso imposto pelo Poder Público, desrespeitando os marcos legais relativos ao direito à moradia adequada e à segurança da posse (Constituição Federal, Constituição Estadual, Estatuto das Cidades, Lei do Programa ‘Minha Casa Minha Vida’), que estabelecem o direito à regularização fundiária integral, capaz de garantir aos moradores o efetivo direito à cidade com a permanência em suas comunidades, e com a realização das intervenções necessárias para prover toda a infraestrutura necessária e a redução dos riscos.

Defendemos uma reforma urbana que garanta o direito de todos à cidade contra as tentativas de segregação e limpeza social que hoje estão explícitas nas ameaças de remoção feitas pelos governos municipal e estadual, que se assemelham àquelas realizadas durante a ditadura militar que caracterizaram os governos de Carlos Lacerda e Negrão de Lima.

O Programa ‘Morar Seguro, do Governo do Estado, e o decreto 32081 da Prefeitura do Rio de Janeiro, ao invés de garantir o direito à cidade, é mais um instrumento nas ameaças de despejo.

Para nós, a ausência de participação na formulação e no controle social da execução do orçamento e dos investimentos contribui para manter o quadro de violação de direitos em nossa cidade. Em face dessas considerações, os moradores de favelas e comunidades pobres da Cidade do Rio de Janeiro REIVINDICAM:

Não às remoções!

Pelo cumprimento do Art. 429, da Lei Orgânica Municipal; Art. 234 da Constituição Estadual; Art. 6º da Constituição Federal; Art. XXV da Declaração dos Direitos do Homem; Art. 11º do Pacto Internacional dos Direitos Sociais Econômicos e Culturais; Comentário Geral nº 04 do Comitê das Nações Unidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Estatuto das Cidades.

Destinar maiores investimentos ao reaparelhamento da GEO RIO e da Defesa Civil com a garantia de concurso público e participação da população na gestão desses órgãos.

Implementar a longo prazo um programa que contemple a drenagem, contenção de encostas e saneamento nas comunidades, bem como a correta manutenção das obras.

Participação ampla das comunidades no debate em busca de alternativas às remoções e nas respectivas decisões.

Apresentação de laudos técnicos detalhados da situação mediante visita às casas e áreas atingidas, com a participação da comunidade e de entidades representativas na análise e definição das soluções.

A interdição das casas somente pode ser feitas mediante estudo técnico detalhado, e eventual demolição só pode ser realizada, salvo perigo iminente, após ter sido garantida uma solução habitacional definitiva aos moradores atingidos.

Priorizar o atendimento e o reassentamento das famílias desabrigadas e/ou em situação de risco iminente, remanejando-as na própria comunidade ou em áreas próximas, conforme determina a Lei Orgânica Municipal.

Nas situações de emergência, garantir às famílias desabrigadas um aluguel-social digno enquanto novas unidades habitacionais ou obras para redução do risco não forem construídas.

Garantir uma indenização justa às famílias que perderam seus entes nos deslizamentos, independentemente da moradia que possam receber.

Priorizar, para as áreas mapeadas como de alto risco após estudos sérios e com participação popular, as soluções que não impliquem o reassentamento de famílias (como obras de contenção, drenagem, dragagem, reflorestamento e delimitação de área ocupável).

Os estudos técnicos do Programa “Morar Seguro” devem ser debatidos entre os profissionais e moradores, objetivando soluções participativas com a reformulação da Comissão Gestora deste programa para garantir a participação popular”.

Conselho Popular do Rio de Janeiro e Movimentos Sociais unidos contra a remoção

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