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Depoimento de Ciro Oiticica, ativista preso no dia 15 de outubro

“61 inocentes seguem presos.

Não falarei da injustiça de ter sido detido sem justificativa ou provas.
Não falarei da arbitrariedade da prisão.
Não falarei do desespero das mães, que enfrentaram as dificuldades pessoais e a distância para verem seus filhos serem presos por lutarem pelo que acreditam.
Não falarei de seu choro de perplexidade, sem saberem se o que sentiam era indignação por seus filhos serem tratados como bandidos ou orgulho por agirem como devem.
Não falarei da privação de liberdade, nem dos constrangimentos degradantes do sistema carcerário

Não falarei porque 61 inocentes seguem nessas condições. Os mesmos que dividiram comigo os recentes momentos de angústia e alegria ainda se vêem submetidos a abusos intoleráveis contra sua dignidade.

Ainda não há liberdade.

Como disse Renato, a parte mais essencial de nós ficou naquelas celas. Essa parte ainda molha os pés no chão inundado pelas infiltrações, espanta inutilmente os mosquitos que impedem o sono e sonha com uma sociedade de fato. Essa parte ainda amarga a estranha sensação de ter sido presa por lutar pelo que acredita e a angústia de se culpar pelo choro de mães e pais e a preocupação dos amigos e familiares. E essa parte essencial só estará livre quando todos os que sofreram a mesma injustiça o estiverem.

Mas há liberdade.

Não nos podem tirar o que não se pode dar. E todos aqueles injustamente confinados em alguma cela sentem a inexplicável plenitude de seguir aquilo em que acreditam. Por isso mesmo, não tremem. Mantém-se íntegra a parte essencial dividida por todos nós e que se materializa em nossos ideais. Que importa o corpo, “habemus anima”.

Por isso mesmo, foi vital o profundo carinho demonstrado por amigos, familiares, militantes, advogados, escolas e faculdades. Mais vital até que seu efeito – a soltura. Embora tenha sido muito difícil sair sem os demais, por crer que aqueles que sofreram a injustiça do Estado também deveriam ser soltos no mesmo momento, alegrei-me imensamente com a mobilização de todos. Sentirei a mesma integridade ao seu lado, lutando pela libertação de meus companheiros, que sentiria se ainda estivesse com eles. Por isso é minha e nossa, acredito, a busca desses trabalhadores, moradores de rua, ambulantes e estudantes por justiça.

Que essa corrente de afeto e esperança se estenda a todos e permita sua volta às ruas, para protestarem e alegrarem seus entes queridos!

Cabral e Paes, através dos policiais, buscam expressar desesperadamente uma demonstração de força perante a sociedade. Mas só reafirmam sua fraqueza. Aplicar a violência arbitrária do Estado em corpos detidos de manifestantes apenas ascendeu a indignação na alma de muitos mais. O autoritarismo se escancara à medida que a sociedade desperta para a gravidade das violações à democracia que vêm sendo praticadas. A tal ponto que o medo, fomentado pelo Estado para justificar tais violações, é superado em nome da dignidade.

Obrigado e parabéns a todos os entes queridos: amigos, familiares, Ocupa Câmara Rio, Rio na Rua, CEAT, IDDH, OAB, ECO/UFRJ, CARI, IRI/PUC!

Manifestações surtem efeitos, desde que acreditemos juntos e participemos.

Por fim, as famílias e amigos dos que seguem presos devem se manter tranquilos. Fomos bem tratados pelos funcionários enquanto estivemos presos e é mera questão de tempo que todos sejam soltos por inexistência de provas. Torço para que seja o mais rápido possível! Todos dividimo o sentimento de fraternidade que nos une em torno da certeza de se lutar pelo que é justo.

Bruno, mais um que segue preso, deu o recado:

“Oh mãe, não chore não/
breve, breve to de volta para a manifestação“!”

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