A atual crise mundial ressalta as diferenças entre os principais projetos político-administrativos. De um lado, os responsáveis pelo grande cassino em que se transformou a economia globalizada – apesar do óbvio fracasso – continuam afirmando o essencial do seu ideário. Vêem o papel do estado como o de facilitador dos ganhos privados. Do discurso inicial de que os governos deveriam livrar-se da gestão de atividades “pouco típicas da sua vocação” – como o setor siderúrgico, por exemplo – avançam na privatização das telecomunicações, dos recursos minerais, da previdência e, mais recentemente, da saúde e da educação.
De outro lado, continuamos a defender uma política de estado em que este garanta os direitos fundamentais da população, assim como exerça a função de indutor do desenvolvimento econômico e social sustentáveis, na ótica das maiorias.
Neste cenário o novo governo municipal completou seis meses de atuação. Porém, ao invés de buscar cumprir com os compromissos para os quais foi eleito, aumentando os investimentos públicos a fim de assegurar a melhoria da qualidade dos serviços prestados, desde os primeiros dias de sua gestão, vem colocando em prática uma série de ações de caráter privatista que pretendem transferir para a iniciativa privada obrigações que deveriam ser suas.
É reveladora a matéria publicada pelo Jornal O Globo – em 27/04/2009 – de autoria da Secretária de Municipal de Educação, Sra. Claudia Costin, intitulada “Parceria Vital” em que afirma “a gestão pública moderna não pode prescindir destas parcerias com a sociedade civil”.
Inicialmente, é preciso afirmar aqui que esses novos fundamentos político-administrativos em que se baseia o atual governo municipal fazem parte de um conjunto de medidas que vêm sendo implementadas em consonância com o governo federal de Lula, e o governo estadual de Sérgio Cabral Filho, nas diversas áreas de atuação do poder público.
Na esfera da educação, atos dos três governos apresentam aspectos comuns, dão corpo ao que podemos chamar de “pedagogia do capital” e têm como norte uma gestão empresarial que não atende aos interesses dos profissionais de educação, tão pouco à classe trabalhadora que necessita e tem o direito de exigir políticas públicas de qualidade.
Em relação à educação municipal, o prefeito vem abrindo as portas das unidades de ensino à entidades da sociedade civil e empresas privadas, tentando apresentar a escola pública como um negócio. Das várias medidas que adotou podemos citar algumas que comprovam o compromisso da atual gestão com o setor privado:
A contratação da Fundação Ayrton Senna – Ao iniciar o ano letivo, a Secretaria Municipal de Educação, em convênio com o MEC, contrata a Fundação Ayrton Senna, entidade educacional do setor privado, para preparar material didático, provas e avaliações dos alunos da rede pública de ensino, esquecendo-se de que a autonomia pedagógica é um dos pilares para a garantia da escola pública democrática e de qualidade.
Projeto de lei nº 2/2009 – que “Dispõe sobre a qualificação de entidades como Organizações Sociais e dá outras providências” – Infelizmente, e contrário à nossa posição, o projeto foi aprovado. A lei permite agora que serviços essenciais ao bem estar da população como educação, saúde, ciência e tecnologia, entre outros, deixem de ser responsabilidade direta da prefeitura que repassará recursos públicos a entidades privadas para a execução desses serviços.
Publicação da Resolução SME 1010, em 04/03/2009, posteriormente revogada e substituída pela Resolução 1014 – que “Dispõe sobre observações relativas à avaliação escolar” – Institui um sistema de avaliação onde o Nível Central da SME enviará às escolas, bimestralmente, provas para serem aplicadas aos alunos com o mesmo peso das provas e avaliações elaboradas pelos professores – verdadeiros protagonistas do processo ensino-aprendizagem. Mais uma vez é ferida a autonomia pedagógica da escola e do professor e quebrado todo o processo de construção do projeto político-pedagógico democrático previsto na LDB.
Publicação da Resolução 1548, em 15/06/2009, que “atualiza normas para emissão do Boletim de Inspeção Médica – Essa Resolução determina que o diretor da escola ao emitir para o profissional de educação o boletim de inspeção médica, deverá registrar se há “má fé, simulação ou abuso por parte do servidor”. Aqui está implícita a relação de desconfiança que a Prefeitura estabelece com os servidores. Por ela, essa relação também é transferida para o interior das unidades escolares, antepondo diretores e demais profissionais de educação.
Será que a SME/Prefeitura desconhece que inúmeros profissionais de educação continuam vitimados por doenças ocupacionais por atuarem em péssimas condições de trabalho, em escolas e creches superlotadas, com carência de recursos materiais, número insuficiente de servidores e infra-estrutura degradada?
Além da situação constrangedora – para diretores, professores e funcionários administrativos – a prefeitura transfere para os educadores atribuições de responsabilidade exclusiva da área médica.
Projetos que instituem a “Meritocracia” na Educação Pública:
Escolas do Amanhã – lançado em 13 de março, o projeto prevê beneficiar 150 escolas localizadas em áreas violentas da cidade, acrescentando à grade curricular atividades culturais, de pesquisa, ensino e lazer. Até o momento, o referido projeto não saiu do papel. O projeto diz também que, caso as “metas” previstas sejam atingidas, os educadores dessas escolas receberão um bônus de um salário e meio a mais a cada ano;
Decreto 30860 que “Dispõe sobre os critérios de premiação a ser concedida aos servidores” – de 01 de julho de 2009;
Decreto 30861, também de 01/07, que “Fixa metas de redução de custeio de despesas com concessionárias de serviços públicos – de fornecimento de luz, água e telefonia – nas escolas públicas”.
Os decretos acima têm embutidos em seu texto uma política de bônus e mérito e um “Termo de Compromisso de Desempenho” firmado entre a SME e as Direções das escolas, que foram “convidadas” a assinar o documento se comprometendo a cumprir as metas do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e IDERio (Índice de Desenvolvimento da Educação no Município do Rio de Janeiro).
Eles também determinam que havendo mais de cinco ausências no ano, mesmo que por afastamento médico, os profissionais das unidades escolares deixarão de receber tais prêmios e bônus.
Será que ao optar por uma “pedagogia de resultados”, onde o que importa é preparar o aluno para obter a quantidade restrita nos índices, a SME conseguirá uma real e substantiva melhoria do ensino e desenvolvimento intelectual do aluno?
É evidente que todos nós, legisladores, poder executivo, sociedade carioca e principalmente os profissionais de educação, almejamos alcançar a plena qualidade em educação na nossa cidade, mas esta não pode ser reduzida a metas e indicadores previstos no IDEB e/ou IDERio.
Porém, ao priorizar uma política de metas – a MERITOCRACIA – a Prefeitura do Rio de Janeiro não demonstra querer enfrentar os principais problemas da educação municipal tais como:
– um Plano de Carreira unificado – de professores e funcionários – com progressão por tempo de serviço e de formação,
– aumento de verbas públicas para a educação,
– atendimento de qualidade à saúde do servidor,
– aumento real de salário para todos os servidores da educação,
convocação de concurso público para profissionais de educação de escola e creches,
– formação continuada e em serviço e de qualidade para profissionais de educação,
– obras de recuperação dos prédios e infra-estrutura,
– melhoria da qualidade da merenda escolar que, durante o primeiro semestre, faltou em várias escolas.
Faz-se necessário e urgente que toda e qualquer política pedagógica que venha a ser elaborada e implementada leve em consideração a contribuição dos profissionais de educação. São eles que estão no dia-a-dia, construindo, efetivamente, a escola pública. São eles as matrizes de uma política educacional.
Não menos importante, foi publicado no Diário Oficial do Município do dia 06 de julho/2009, o Decreto 30871 que “Dispõe sobre o Programa Apóie uma Escola ou Creche”.
Nada contra que qualquer cidadão possa contribuir e colaborar, doando bens e equipamentos às escolas e creches do município. O poder público deveria, nesse sentido, estabelecer regras menos burocráticas para que os diversos órgãos municipais possam receber doações de entidades e empresas privadas e mesmo de pessoas físicas.
Esse decreto, como as demais resoluções revelam o caráter privatizante das políticas educacionais do governo municipal visto que, desta vez, “escancara” as portas das escolas públicas e creches para a entrada do setor privado que passa a promover “a melhoria das condições de funcionamento da unidade escolar ou creche” mediante, inclusive, pagamento de bônus, assistência econômica e de saúde e fornecimento de mão-de-obra remunerada mediante pagamento de encargos trabalhistas.
Não será isto a privatização da educação pública?
Por último, sexta-feira, dia 31 de julho, o prefeito pública o Decreto 30934 – “Cria o Programa Bairro-Educador” – que entre outras medidas, autoriza a SME estabelecer parcerias e celebrar convênios entre “empresariado, famílias, organizações sociais, instituições de ensino, lideranças comunitárias e demais pessoas físicas… para elaborar projetos que atendam às necessidades das comunidades escolares…”
Mais uma vez prefeito e secretária esquecem-se de incluir os profissionais de educação na elaboração dos projetos educacionais optando por parcerias com aqueles que defendem a mercantilização da educação.
Para nosso mandato, a atual prefeitura optou pela entrega das escolas e de creches públicas, de seus profissionais e de seus alunos ao “mercado” para disputar recursos através da elaboração de projetos ou da procura de parcerias com comerciantes, empresários, ONG’s ou voluntários.
Levando-se em prática esses decretos a escola não será mais pública. Estará subordinada aos interesses de empresários e políticos que a adotarem. A escola pública deixa de ser um direito – de responsabilidade do poder público – e transforma-se em mercadoria ao sabor dos interesses daqueles que passarão a ser seus financiadores.
Continuaremos na luta com os profissionais de educação, estudantes e responsáveis em defesa da educação pública, democrática e de qualidade, para todos e em todos os níveis.
0 Responses to Educação não é mercadoria