Notícias

Entrevista: Porto Maravilha

Antônio Agenor Barbosa mora no Morro da Conceição, um dos bairros que será atingido pelo projeto Porto Maravilha. Arquiteto e Urbanista, Mestre em Urbanismo pela UFRJ e professor do Departamento de História e Teoria da FAU – UFRJ, Agenor respondeu às perguntas que formulei sobre a revitalização da Zona Portuária. Hoje, o mandato realiza um debate sobre os impactos do polêmico projeto, às 18h, no Espaço Cultural CEDIM Heloneida Studart, Rua Camerino, 51, Saúde.

1) Como morador do Morro da Conceição, como avalia o projeto Porto Maravilha?

Primeiro quero dizer que sou totalmente a favor da idéia de revitalização da área portuária, inclusive no que se refere a algumas propostas de intervenção no Morro da Conceição e nas suas adjacências. Entretanto, creio que os métodos, os conceitos e as estratégias usadas pela atual Prefeitura são equivocadas e, sobretudo, precipitadas em grande parte. Cabe dizer que o próprio termo e/ou conceito largamente empregado que é o da “revitalização” da área portuária é arbitrário, em alguns casos. Revitalizar significa trazer de volta a vitalidade. Mas, em muitas das áreas da região portuária – no Morro da Conceição, inclusive – este conceito simplesmente não se aplica, pois são áreas com uma imensa, resistente e qualitativa vitalidade urbana. Só não vê quem não quer!

Isto posto, também creio que estamos vivendo um momento em que não podemos mais aceitar passivamente as imposições do poder público sem que estas se revertam em melhorias reais de condições de vida para a população residente aqui na região. E o Projeto Porto Maravilha, com este nome mais ligado a uma peça publicitária e do Marketing do que a uma parte a ser reestruturada de uma cidade tão complexa como é o Rio de Janeiro, não me parece que atenderá a boa parcela destes habitantes que aqui residem. Eu mesmo já pude conversar pessoalmente com alguns diretores e técnicos do Instituto Pereira Passos (IPP) e constatei que os principais executivos que estão à frente do órgão (IPP) não têm, infelizmente, nenhuma visão de cidade, do urbano e das suas múltiplas e complexas dinâmicas geopolíticas, territoriais e, sobretudo, sociais.

Vi que estes Executivos só têm certezas em relação às conseqüências da implantação deste Projeto Porto Maravilha na região. São homens que não têm dúvidas e que acham que o Porto Maravilha, por si só, vai trazer de volta para o Rio de Janeiro o protagonismo perdido para São Paulo nas últimas três décadas, por exemplo. Mas eu, que sou um professor, quanto mais leio e estudo mais eu duvido do determinismo das coisas, sobretudo no campo do Urbanismo.

Também sei que estes executivos que estão à frente do IPP são profissionais muito bem preparados por terem feito MBA nos Estados Unidos em Administração e/ou em Marketing. Mas eles não sabem, ou não querem ver que a Cidade (que é, ou deveria ser pelo menos, Urbs + Civitas a um só tempo) é para todos e não apenas para alguns privilegiados. Creio que estes executivos do IPP desconhecem e ignoram o Rio nas suas facetas multiculturais até caleidoscópicas. Eles têm uma visão de mercado determinista, homogênea e utilitária da cidade. A visão de cidade que já me apresentaram nas exposições deste Projeto Porto Maravilha é reduzida à sua dimensão econômica (que julgo importante, mas incapaz de trazer à luz outras compreensões mais sutis).

Acho até que eles podem estar vendendo algo que não conhecem. Vendem um Rio virtual, pois o Rio real é muito “barra pesada” para eles.

Até a cultura é vista sob a ótica econômica, e só! São executivos e profissionais bem sucedidos do mercado financeiro e das grandes consultorias de negócios que operam internacionalmente. São pessoas com este perfil que estão à frente da condução e da viabilização do Projeto Porto Maravilha.

Assim, creio que a cidade vista sob esta ótica – como a do próprio Projeto Porto Maravilha – promete ser idílica para os poucos privilegiados que terão esta oportunidade após a chegada (tardia) do Estado. Alguns que aqui residem e esperaram tanto pela chegada do Grande Irmão e agora não vão poder nem participar da festa de inauguração do Porto Maravilha pois vão ser expulsos já nos primeiros preparativos para a festa.

Eu mesmo, que sou um professor repito, talvez até possa vir a participar da festa de inauguração deste Porto Maravilha, mas na condição de ex-morador do Morro da Conceição, e talvez só venha a ser convidado em função da minha rede que tenho de contatos influentes (na política, na imprensa, na universidade e etc.) e não por que serei bem vindo nesta nova Cidade que se anuncia grandiosa, pródiga e promissora para quem pode pagar (caro) por ela. Ainda que ela tenha vista para a (poluída) Baía de Guanabara.

E aqui, no final da minha resposta foi só uma provocação mesmo para dizer que acho inconcebível falar de Porto Maravilha sem falar da despoluição da Baía de Guanabara. E se as três esferas de Poder (União, Estado e Município) estão tão afinadas, esta seria a hora de atrelarmos aos projetos de revitalização do porto uma agenda dos três poderes para a despoluição, de fato, da Baía de Guanabara.

2) As autoridades envolvidas no processo de revitalização estão ouvindo as populações atingidas?

Se você achar que ouvir é suficiente eu diria até que sim. Mas acho que apenas ouvir a população é pouco e insuficiente face uma intervenção deste porte. O que a população necessita e quer é participar ativamente dos processos e das tomadas de decisão em relação ao lugar em que se vive. Creio que quem sabe o que é melhor para o Morro da Conceição, por exemplo, são os moradores daqui e ninguém mais. Ainda que neste conjunto de moradores você encontre, e isto também é legítimo, posições antagônicas e conflitantes.

3) Qual o impacto da revitalização do Porto sob o Morro da Conceição? Os moradores apóiam as intervenções previstas para o bairro? Acredita que o conjunto arquitetônico será respeitado? Teme que o Morro da Conceição sofra o crescimento desordenado vivido no bairro da Lapa?

Recentemente eu escrevi um artigo intitulado “Revitalização do Porto, IPHAN e Políticas Culturais no Morro da Conceição”. Este artigo foi escrito a quatro mãos juntamente com um vizinho meu que é o antropólogo e professor, Tomas Martin Ossowicki. Creio que a resposta para estas perguntas estão totalmente desenvolvidas no referido artigo que foi publicado em vários veículos. E o mais curioso é que conseguimos coletar dezenas de assinaturas de moradores que concordaram plenamente com o que foi exposto no nosso artigo. Segue um dos links onde ele está também publicado:www.vitruvius.com.br

4) Sabemos que há planos de instalação de um retroporto (área para megaguindastes e contêineres) o que exige utilização de grandes glebas de terra. Em 2007, já foram removidas dezenas de barracos que se encontravam no trajeto da alça viária que desviará o tráfego de carretas para o novo Porto. Acredita que a revitalização incorrerá em remoção da população que reside na região?

Sim. Não tenho dúvidas quanto a isto. O Projeto Porto Maravilha tem, evidentemente, facetas ainda não muito explícitas de um projeto civilizatório e higienista, infelizmente.

This entry was posted in Notícias, Urbanismo and tagged . Bookmark the permalink.

2 Responses to Entrevista: Porto Maravilha

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *