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O que está por trás da proposta de criação da AEIS da Pedra Lisa na Providência?

É no mínimo estranho o projeto de lei 1261/2012, do Poder Executivo, que acaba de ser aprovado em primeira discussão na Câmara Municipal criando a AEIS (Área de Especial Interesse Social) da Pedra Lisa. Refere-se à comunidade que integra o Complexo da Providência e está ameaçada de remoção. No mínimo um paradoxo, uma vez que a área que recebe esta declaração como AEIS, adquire o direito de receber intervenções urbanísticas e melhorias na habitabilidade. Mas, a previsão até aqui, é que a comunidade da Pedra Lisa seja removida integralmente (351 domicílios) porque não foi considerada “área de interesse” para o projeto urbanístico Morar Carioca, da prefeitura, que está sendo implantado em diversas áreas do Morro da Providência.

O destino da Pedra Lisa é voz corrente na comunidade. O fato é atestado no extenso relatório, também chamado de “contralaudo”, elaborado pelo engenheiro Maurício Campos dos Santos e pelo arquiteto Marcos de Faria Asevedo, sobre o que se passa no Morro da Providência e na Pedra Lisa, confirmando que a comunidade está condenada à remoção integral por não se adequar ao “projeto urbanístico nos moldes pretendidos (do Morar Carioca), ou seja, que comporte intervenções de grande impacto visual e de alto custo.”

Os dois autores do relatório fazem parte de um coletivo de apoio técnico à comunidades de baixa renda da cidade. Maurício é engenheiro civil com experiência na área de geotécnica e Marcos é arquiteto urbanista com reconhecida atuação na área de habitação de interesse social. Nesse caso, desenvolveram o trabalho em parceria com o Fórum Comunitário do Porto – um movimento da sociedade civil organizada mobilizada em função dos impactos causados pelo projeto de revitalização que toma corpo na Zona Portuária.

Uma das alegações para remoção da comunidade da Pedra Lisa é que as casas estariam em área de risco. No relatório, os técnicos contestam este argumento, depois de realizar vistorias e analisar minuciosamente as condições do terreno e o projeto da prefeitura. O documento elaborado pela dupla tem farto material fotográfico que embasa esta tese.

“Pode-se concluir, assim, que inexiste justificativa para a “realocação” de 351 domicílios em função de “risco” e para a não inclusão da comunidade no projeto de urbanização. Faz-se necessário a realização de um estudo mais detalhado que permita aferir a real situação de risco, estudo esse que deve incluir propostas para a eliminação dos eventuais fatores de risco que vierem a ser identificados, a serem incorporadas em um futuro projeto de urbanização da comunidade.”, afirma o documento.

Mais grave ainda é que esta comunidade foi beneficiada com obras de urbanização e contenção, executadas após as chuvas de abril de 2010. O que, por si só, se consiste em outro paradoxo. Por que urbanizar casas que estão em área de risco? No relatório, os técnicos ainda afirmam que “a comunidade apresenta algumas necessidades que devem ser previstas no projeto de urbanização que vier a ser implantado, como complementação das obras de estabilização, proteção de taludes e delimitação, a execução de obras de reparo em trechos da rede de esgoto que se encontram danificados,…”, deixando claro que o local é passível de intervenção urbanística.

O estranho projeto que parece ter chegado tardiamente a Câmara, já que o Morar Carioca está em pleno andamento na Providência, tem uma justificativa que parece aventar a possibilidade de urbanização da Pedra Lisa. Talvez, por isso, tenha recebido maciço apoio dos parlamentares. Mas a realidade na comunidade não condiz com o que a proposta sugere. Por isso, nosso mandato já encaminhou pedido ao secretários municipais de Urbanismo e de Habitação para que venham ao Legislativo explicar melhor o projeto.

Será que a criação da AEIS da Pedra Lisa será utilizada como instrumento que dará respaldo jurídico necessário para o reassentamento da comunidade em outro local? O projeto de lei 1261 em seu artigo 1º estabelece que “Fica declarada como Área de Especial Interesse Social – AEIS, para fins de inclusão em programas habitacionais destinados à população de baixa renda”, e no artigo 2º que “O Poder Executivo adotará os procedimentos necessários a urbanização e regularização da área, inclusive quanto ao remanejamento e reassentamento da população de baixa renda localizada em área de risco”. O texto parece reafirmar esse objetivo.

O reassentamento é a promessa que os agentes da prefeitura fazem aos moradores afetados pelo projeto na Providência. Desconfiados, muitos não querem se arriscar a receber aluguel social de R$ 400,00 sem saber exatamente o que o destino, ou o que a prefeitura, lhes reserva. E bravamente resistem.

Como mandato comprometido com o direito à moradia de interesse social, já propusemos e conseguimos aprovar a criação de algumas AEIS. Mas este projeto do Executivo não nós dá a certeza de que a AEIS da Pedra Lisa será garantia da inclusão da área no Morar Carioca, para fins de urbanização e regularização. O que a justificativa da proposta afirma – “A comunidade Pedra Lisa está inserida no escopo de trabalhos do Programa Morar Carioca e faz parte do Complexo da Providência” – parece apenas confirmar que a referida comunidade está inserida nesse escopo para a remoção total, conforme foi amplamente informado no “contralaudo” realizado pelos técnicos Maurício e Marcos.

Ou será que a prefeitura resolveu ter razoabilidade e rever o que ela própria definiu no projeto Morar Carioca para aquela área da Providência? Estamos torcendo para isso, pois muitas ações já foram realizadas, além do relatório, para dar apoio à defesa desse interesse coletivo local.

Contralaudo do engenheiro Maurício Campos dos Santos e do arquiteto Marcos de Faria Asevedo

Veja vídeo sobre o impacto do projeto Morar Carioca no Morro da Providência
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Reportagem da agência Pública: “As casas vão cair”

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