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Pior a emenda que o soneto

Quando o prefeito e o secretário municipal de Urbanismo me chamaram para uma conversa sobre a cidade, logo no começo da nova gestão, um dos assuntos urgentes era a revisão do Plano Diretor, um processo que se iniciou na Câmara Municipal no ano passado. Se houve o convite, foi pelo reconhecimento do acúmulo de experiência e trabalho do nosso mandato, especialmente frente ao Plano Diretor Decenal.

Por ter, de fato, conhecimento sobre a causa, expus todas as minhas preocupações ao prefeito. Disse a ele que o Plano Diretor de 1992 deveria ter passado por uma revisão em 2002. Ou seja, são 18 anos de uma estratégia traçada para uma cidade que não existe mais. Frisei que de nada adiantaria uma revisão sem a realização de um profundo diagnóstico do Rio de Janeiro, sob todas as suas faces.

Para que a revisão do Plano do Diretor fosse real, assinalei que era preciso um mapeamento da cidade, com trabalho de campo posterior para confrontar dados técnicos e realidade. Seria necessária também uma ampla participação da sociedade e discussões abertas sobre os diversos setores que o Plano Diretor abrange para que este novo planejamento se constituísse naquilo que a cidade exige e necessita para evoluir de forma plena. Nada disso aconteceu.

Mais grave. Neste processo de revisão sequer foram observados exigências cruciais como a adequação, ao Estatuto da Cidade, do Substituto n° 3 – proposta que constitui a base da revisão do Plano Diretor-, como foi recomendado pelo Ministério Público à Mesa Diretora da Câmara Municipal. Também não foram cumpridas as disposições transitórias que exigiam uma primeira revisão do Plano após cinco anos e deveriam ter estabelecido os instrumentos institucionais, fiscais, urbanísticos, tributários, e os demais, que regeriam a aplicação do que foi decidido pelo Plano Diretor.

Como se vê, é preciso começar do zero. É preciso começar o que nunca foi feito. Caso contrário, o Plano Diretor que a Câmara revisará não passará de uma farsa. Executivo e Legislativo tem sido coniventes ao permitir que a tramitação prossiga. E não podem alegar inocência ou desinformação sobre o risco de o Plano Diretor, por exemplo, promover a alteração da legislação urbanística vigente e os parâmetros das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (Apacs) que, na prática, impedem a especulação imobiliária em áreas valorizadas da cidade. Não consegui entender o motivo de espanto do prefeito com a noticia veiculada recentemente na midia.

Especialistas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) , do Grupo de Apoio Técnico ao Ministério Público e movimentos sociais já haviam feito duras críticas ao texto revisado, críticas estas encaminhadas à Comissão Especial do Plano Diretor da Câmara do Rio. Com base no relatório do IPPUR, foi instaurado um inquérito civil junto ao Ministério Público, a pedido de entidades civis, de nosso e de outros mandatos, a fim de impedir que este plano seja sacramentado. Caso seja aprovado, o Ministério Público adianta que a Procuradoria Geral da Justiça poderá arguir inconstitucionalidade do projeto por tudo que foi exposto até aqui. E o Plano Diretor será arquivado.

Quem não vem acompanhando o processo de revisão do Plano Diretor da Câmara, talvez tenha se surpreendido ao saber que o Plano Diretor recebeu 1051 emendas dos vereadores, 45 emendas do Executivo e 47 emendas e subemendas. As emendas do Executivo mudaram 96% do teor do Substitutivo n° 3, que praticamente deixou de existir. Não bastasse este arremedo de Plano – um total desconhecido-, na calada da noite foram apresentadas mais 86 emendas de autoria desconhecida e sem numeração, fato sem precedentes no Legislativo e que traz à tona a gravidade da situação.

A conversa com o prefeito morreu na praia. Estamos na iminência de mais uma vez provar para a população que o Legislativo é inoperante, pouco confiável e nada atuante. É isso mesmo?

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