Dando continuidade à nossa análise sobre o projeto da Prefeitura para revitalização da Zona Portuária da Cidade do Rio de Janeiro, vamos conhecer algumas das primeiras intervenções a serem implementadas. De acordo a Prefeitura, o projeto Porto Maravilha está previsto para ocorrer em duas fases. A primeira seria toda bancada pelo Poder Público e constaria de uma série de intervenções de reurbanização, embelezamento e adaptação de mobiliário urbano ao longo dos principais corredores viários, da Praça e do Pier Mauá. Na figura abaixo, vê-se uma das artes gráficas disponibilizadas pela Prefeitura, onde se percebe nitidamente a abrangência territorial das primeiras intervenções no Centro.
– Nos documentos oficiais, estão previstas:
– Urbanização do Pier Mauá;
– Revitalização da Praça Mauá;
– Calçamento, iluminação pública, drenagem e arborização dos eixos Barão de Tefé, Camerino, Venezuela, Rodrigues Alves e Sacadura Cabral;
– Implantação do trecho inicial do Binário do Porto;
– Reurbanização do Morro da Conceição (vias locais, enterramento de rede elétrica, restauração de patrimônio histórico – Jardim do Valongo e Pedra do Sal);
– Demolição da alça de subida do viaduto da perimetral.
Segundo seus representantes, a princípio, o investimento da Prefeitura seria de aproximadamente R$200 milhões. A figura abaixo dá uma vaga noção do que se pretende fazer.
Mas nem tudo são calçadas bonitas e palmeiras imperiais. Em primeiro lugar, nos preocupa o fato de que, junto com as obras físicas de inquestionável necessidade – mas que poderiam ser muito mais efetivas se a população fosse ouvida antes dos gênios do planejamento iniciarem seus rabiscos –, serão estimulados novos usos e atividades na região, além da intensificação de usos e atividades já existentes, a contra-gosto de boa parte dos moradores da área.
Por exemplo, a instalação de um pólo gastronômico e de entretenimento nas imediações do Morro da Conceição certamente levará a região a um processo muito parecido com o que hoje ocorre na Lapa. Uma profusão de restaurantes, boates, casas noturnas e outras atividades que, por sua vez, vão atrair um fluxo muito maior de pessoas, carros, barulhos, situações e odores indesejados. Seus impactos levarão, certamente, ao desmantelamento do caráter bucólico e do clima de bairro suburbano do Morro da Conceição, causando a hipervalorização de algumas partes e a desvalorização de outras.
Mas o mais grave é o fato – muito pouco esclarecido, afinal – de que além das obras na região mais central da Cidade, a fase 1 prevê uma série de intervenções na reestruturação das funções portuárias da área do Caju. O porto do Rio será redimensionado para o atendimento de passageiros (novos terminais próximos ao Pier Mauá) e de cargas gerais (aquelas transportadas em contêineres) no trecho final, próximo à subida da Ponte Rio-Niterói.
Para tornar a área de cargas mais eficiente, o tráfego de carretas que hoje passa por toda a Avenida Brasil vai ser desviado por uma nova ligação, passando por baixo da Linha Vermelha, cruzando todo o bairro do Caju.
É sabido que, para o bom funcionamento dos portos mais modernos, é preciso uma grande área (o chamado retroporto) onde são instalados os megaguindastes e os campos de empilhamento dos contêineres. Ou seja, grandes glebas de terra são necessárias para viabilizar a infraestrutura portuária. E é aí que vemos algumas grandes coincidências:
A tal alça viária que desviará o tráfego de carretas para o Porto passará exatamente no local onde, em 2007, a Secretaria do Ambiente, sob o argumento de “proteger” e “recuperar” as margens do Canal do Cunha, removeu dezenas de barracos de pessoas pobres que moravam ali há vários anos. Temos notícias de que a grande maioria daquelas famílias não recebeu qualquer assistência por parte do Governo do Estado e as que receberam foram parar em conjuntos “habitacionais” nos confins da Cidade. Outra infeliz coincidência é que, também no trajeto da tal alça viária, um incêndio matou duas crianças numa favela que havia se instalado embaixo da Linha Vermelha, e logo depois, todos os moradores foram removidos – não se sabe pra onde…
Mas, talvez, a pior das “coincidências” ainda está por vir. O bairro do Caju é o 111º no ranking do IDH, entre os quase 150 bairros da Cidade. Por ali, moram mais de 17.000 pessoas, sendo a grande maioria em oito favelas espalhadas por todo o bairro. Nos últimos meses, temos vistos um claro movimento do Poder Público nos sentido de esvaziar ainda mais esse bairro em termos de serviços à população.
O Hospital São Sebastião era referência no tratamento de doenças infecto-contagiosas, além de um dos poucos equipamentos de saúde que a população do Caju e adjacências podia contar no caso de pequenas emergências e serviços ambulatoriais. Sem mais nem menos, o Governo do Estado encerrou as atividades desse hospital, deixando servidores desconcertados e uma população ainda mais carente.
Mais recentemente, tivemos notícia de que até o Posto de Policiamento Comunitário estava para ser removido dali. Está claro que a intenção do Governo é tornar a situação ainda mais insuportáveis para aquela sofrida população, de modo que se justifiquem grandes operações de remoção num futuro próximo, e seja aberta a possibilidade de implantação do tal retroporto.
Para dar conta de tanto descaso, só um amplo processo de mobilização popular e pressão sobre o governo estadual e sobre a prefeitura. A participação popular não deve ser vista como mero “oba oba” numa já questionável democracia. Ou tomamos as rédeas do nosso destino, enquanto povo unido e organizado, ou seremos sempre esmagados pela lógica da segregação, da privatização e do desprezo de nossos governantes e seus sócios nas grandes corporações.
17 Responses to Porto Maravilha: a primeira fase