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Sobre a marquise do Maracanã que continua sendo demolida

Como já sabemos, a Justiça negou liminar contra a demolição da marquise do Maracanã. Mas não acredito que esta é uma batalha perdida. Recebi, e reproduzo aqui, um texto de Cláudia Girão, arquiteta e urbanista do IPHAN, que, mais uma vez, reforça a tese de que a marquise não pode ser demolida. Ela, como eu, se recusa a acreditar que este é um assunto encerrado.

Claudia Girão foi chefe da Divisão de Estudos de Acautelamento do então Departamento de Proteção do IPHAN no período 1995-2001 – e fez o relatório “Preservação do Maracanã. Abaixo, o texto enviado pela urbanista para o mandato e também para jornalistas que acompanham o caso.

” Há quatro Livros do Tombo no IPHAN (Belas Artes – Histórico – Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico – Artes Aplicadas), e todos são igualmente importantes; seja em qual Livro for feita a inscrição, isto é, seja qual for o excepcional valor simbólico reconhecido no bem material, este bem material, ao ser tombado, deve ser preservado. Isto significa dizer que em todos os casos devem ser preservadas suas características arquitetônicas e artísticas e os testemunhos de sua história, e que sua ambiência e visibilidade também devem ser protegidas.

O bem material tombado deve ser mantido em boas condições de integridade física e formal, para que possa continuar representando o valor simbólico que levou ao seu tombamento. A lei de tombamento é clara e precisa, não admite qualquer outra interpretação. O Estádio Maracanã é o único estádio tombado pelo IPHAN, o tratamento nestas obras da Copa 2014 deveria ser diferenciado dos demais estádios brasileiros.

Foi projetado e construído em apenas dois anos, como um estádio-monumento, destinado ao povo. Sendo em sua época o maior estádio do mundo, e erguido no Rio, então capital federal, o Maracanã contribuiu para o desenvolvimento do futebol profissional e para a organização das torcidas, e ajudou a propagar a imagem do Brasil como o país do futebol, um futebol tão grande quanto o seu maior estádio. Inaugurou uma tipologia no Brasil: um estádio em forma de elipse com a grande marquise de concreto emoldurando os anéis concêntricos das arquibancadas, da geral e do gramado. Esta é a imagem mais icônica do Maracanã, que se tornou famosa internacionalmente. Mas, evidentemente, também são icônicas as infinitas vistas das arquibancadas para o campo, e vice-versa, tudo isto à sombra da monumental marquise que deixa ver o céu e uma parte das montanhas cariocas.

Em 2006, suprimiu-se a geral e se rebaixou o gramado, para o Pan, mas tais intervenções ainda são reversíveis, embora uma eventual restituição, que seria válida, não se revestiria do caráter autêntico das condições originais. Entretanto, a partir do momento em que se chegarem as arquibancadas mais para a frente, agora nestas obras para a Copa, o espaço da geral será ocupado, ou seja, não se poderá, no futuro, restituir a geral. As arquibancadas de concreto originais já foram demolidas em 2011, juntamente com as intervenções introduzidas para o Pan.

Quanto à marquise de concreto, o problema é que resolveram já em 2010 – portanto antes do último caderno de encargos da FIFA – colocar um toldo de lona tensionada sobre a marquise. Alguém ‘não gostou’ do resultado estético – isto já foi dito na audiência pública na Alerj. Então, quando foram fazer os testes na estrutura da marquise, verificaram que ela apresentava problemas; as opções seriam fazer um reforço estrutural com durabilidade de cerca de 10 anos, ou demolir e refazer a marquise, com bem maior durabilidade – ou não refazer, como pretendem agora, em 2011.

O problema, portanto, não são os testes feitos na estrutura, mas a decisão subseqüente de demolir a marquise, como se o Maracanã não fosse tombado. Um bem tombado não pode ser destruído, demolido ou mutilado em caso nenhum, diz a lei de tombamento (DL 25/37); além disto, o Maracanã não pode ser descaracterizado, conforme indicado nos pareceres de tombamento, quer dizer, ele pode ser modernizado dentro de determinados limites, desde que mantida sua essência plástica, na qual a marquise é um elemento fundamental.

O toldo é dispensável – pode-se colocar, por exemplo, se necessário (pois dizem que a marquise já cobre o setor que deve ficar coberto) um pequeno toldo auto-portante apenas sobre o setor que deve ficar coberto, pois a FIFA não exige cobertura de todo o estádio -, mas a marquise deve ser preservada, ou seja, deve ser reforçada ou mesmo reconstruída, já que se trata de circunstância especialíssima. Seria recomendável que se fizesse a reconstrução já, pois depois da Copa seria bem mais difícil: querem privatizar o estádio e seria improvável que a iniciativa privada se interessasse pelo estádio com este ônus de reconstruir a marquise de concreto.

Refazer a marquise seria possível, pois o projeto original está disponível, e a operação teria de ser feita com todo o rigor técnico, além de se informar, em placa ou em painéis em exposição permanente no Maracanã, que a marquise foi refeita. Se a solução for demolir e refazer a marquise, perde-se autenticidade, mas seria uma operação legítima, dadas as circunstâncias.

O Maracanã é realmente um ícone. Sua trajetória democrática será interrompida, ao se transformar o popular Maracanã, feito para todos, num estádio elitista, feito para poucos.”

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