Publiquei, no último dia 23 de setembro, o post “Legislar com responsabilidade” sobre o adiamento da votação da proposta do Executivo de prorrogar a isenção de ISS concedido a CSA. Na ocasião, já chamava atenção para relatório elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz que aponta o risco do aumento da poluição atmosférica na região onde a siderúrgica foi instalada. Aproveito para publicar artigo sobre o assunto que vale ser lido, escrito pela economista Sandra Quintela, do PACS – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul –, uma entidade dedicada ao Desenvolvimento Solidário, em busca de soluções contra-hegemônicas frente ao atual sistema socioeconômico.
“A Secretaria Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro acaba de anunciar que “a nova siderúrgica do Rio, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), que iniciará suas operações em 2010 em Santa Cruz, na Zona Oeste da cidade – aumentará em 76% a carga de dióxido de carbono na atmosfera”. Estima-se que quase 10 milhões de toneladas deste gás serão jogadas na atmosfera. “O valor representa mais de 12 vezes o total de emissões industriais desse gás no município e cerca de 14% do total de emissões do estado (incluindo todas as fontes), que atualmente gira em torno de 70 milhões de toneladas”(O GLOBO, 6/11/2009).
A CSA é um conglomerado industrial-siderúrgico-portuário formado pela mineradora Vale (cerca de 28% das ações) e a empresa alemã Thyssen Krupp Steel (TKS). Desde o início, as obras vêm desrespeitando a legislação brasileira e ignorando os direitos humanos e constitucionais de cidadãos brasileiros. O canteiro de obras da TKCSA, de 9km quadrados, situa-se numa área costeira e de manguezal, considerada Área de Preservação Ambiental (APA) sujeita a proteção segundo o Código Florestal Brasileiro. Além disso, por se situar numa área costeira, a legislação brasileira determina que o licenciamento da área deve ser feito pelo órgão ambiental federal, ou seja, o IBAMA –Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. As obras da TKCSA, entretanto, desde 2006 só possuem a licença emitida pela FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente, órgão ambiental estadual, contrariando aquilo que está disposto na lei.
No dia 9 de junho de 2008, o Ministério Público Federal em sua página na Internet anunciou: “O MPF recomendou ao Estado a suspensão das licenças ambientais dadas pela Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) para as obras. Requisitos legais das licenças expedidas foram descumpridos, com destaque para a exigência do aval do IBAMA ao empreendimento. Essa anuência é necessária devido à intervenção no entorno da Baía de Sepetiba, área de preservação permanente. A licença para desvio do canal de São Fernando, por exemplo, dependeria da autorização do IBAMA para a retirada da vegetação nativa de Mata Atlântica”.
A obra está embargada pelo IBAMA desde dezembro de 2007. Há também uma série de outras denúncias amplamente expostas às autoridades públicas. São elas: ilegalidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental; manipulação da participação popular durante as audiências públicas; cooptação de falsas lideranças comunitárias; violação dos direitos humanos; convivência com as milícias da região; violação de direito dos trabalhadores; violação dos direitos dos imigrantes e a destruição ambiental na Baía de Sepetiba e desmatamento de extensa área de manguezais.
Segundo o relatório do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público Federal (GATE) a empresa vem conduzindo as obras sem o menor respeito ao que teria sido definido no EIA-RIMA. Os pescadores que atuam nesta área específica da Baía, mais próxima ao canteiro de obras, vêm sendo diuturnamente impedidos de trabalhar. Seja porque a empresa instala equipamentos dentro dos rios, o que os impede a saída ao mar, cerceando direito dos pescadores de ir e vir. Seja pelas ameaças que partem de seguranças da empresa, orientados a fazê-lo. Ou até mesmo por embarcações de grande porte, cuja rota já provocou colisões com pequenos e frágeis barcos, danificando ou inutilizando os apetrechos de pesca, que são caros para quem necessita deles. Tudo isso faz parte de um grande processo de intimidação por parte da transnacional, que viola direitos constitucionais de cidadãos brasileiros.
Essas denúncias já foram apresentadas na Câmara de Deputados, na Assembléia Legislativa, na Câmara de Vereadores – RJ, ao BNDES, entre outros órgãos do Estado brasileiro. No entanto, este empreendimento, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), com todas essas denúncias por trás de si, continua sendo incensado pela grande imprensa como um dos símbolos da suposta recuperação econômica do Rio de Janeiro. Ora, a siderúrgica terá quase toda sua produção exportada para, principalmente, os EUA e a Ásia, num aparente sinal de modernidade. Mas, na prática, as denúncias se avolumam e o silêncio das autoridades anuncia a cumplicidade de um poder que não representa os interesses do povo e do bem viver.
A Baía de Sepetiba e a Baía da Ilha Grande são patrimônios de beleza, de diversidade, de vida marinha e terrestre. De quilombolas, pescadores caiçaras. De um turismo que alimenta a muitas famílias que dali tiram seu sustento. É mistura de montanha e mar. De verde com o azul. E tudo isso está em risco em nome do progresso. Será que vale esse preço a pagar? Até quando vamos silenciar diante do envenenamento da vida? É preciso falar. É preciso não ter medo!”.
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