“O Estado de exceção acabou no Brasil há quase 25 anos, com a promulgação da Constituição cidadã de 1988. Mas os excessos do poder público continuam, herança maldita de nossa formação patrimonialista.
Esses abusos, generalizados, são mais visíveis no Parlamento nacional. Não apenas agora, mas nos seus 190 anos de existência, em função do status “nobiliárquico” de que os eleitos se acham investidos.
Aliás, desde a colônia as câmaras municipais, pioneiras “casas de leis”, eram exclusivas para os chamados “homens bons”, brancos e ricos. Pobres, escravos e mulheres não entravam.
Há os repetidos desvios políticos, que, no momento, levam ao absurdo de se ter, em presidências de comissões e lideranças partidárias, parlamentares investigados por desvio de conduta ou processados por variados crimes, do racismo à fraude e ao peculato. Naturalizam-se as incoerências. O simples correr do tempo limpa reputações.
A população, por consequência, despreza ainda mais a “política” e sua expressão maior de representação, o Congresso Nacional. Desvaloriza também o seu próprio voto, sem observação da proposta política, dos financiadores de campanha e da história de vida do candidato.
O clientelismo e o fisiologismo crescem, o voto consciente diminui. No lugar dos partidos, com seus propósitos –tantas vezes enganosos–, temos as bancadas das empreiteiras, dos bancos, de religiosos sectários, do agronegócio, da bola, da bala… Democracia das corporações.
Na gestão interna dos recursos públicos, a matemática é a da soma e multiplicação, não a da divisão ou diminuição. Os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade pouco valem.
A recente criação de novos cargos e encargos na Câmara dos Deputados vai na contramão da promessa de austeridade, reduzindo em cinco vezes a “economia” anunciada antes. O número de deputados não aumentou, mas o surgimento de novos partidos cria e diminui bancadas.
Respeito ao erário seria redistribuir as funções gratificadas já existentes. Não são poucas: há nada menos que 10.636 secretários parlamentares nos gabinetes e 1.433 cargos de natureza especial (CNE). A estrutura da Mesa Diretora é contemplada com 288 deles. Até os suplentes são agraciados com 11 CNE’s cada! Tal fartura explica a disputa encarniçada por essas posições…
Também as lideranças partidárias têm aparato exagerado e desequilibrado, indo de dois a oito servidores, para os menores dos 23 partidos hoje representados na Câmara Federal, até os 80 a 124 dos médios e grandes. É prudente medida de segurança que nem todos compareçam aos gabinetes ao mesmo tempo…
“Essa é uma Casa política”, ouve-se quando se quer aprovar algum “trem da alegria” ou projeto que oculte interesses menores. “Não vamos politizar a questão”, diz-se, paradoxalmente, quando há questionamentos sobre acordos de bastidores ou acertos prévios garantidores de demasias. Em geral, quem já conquistou determinadas benesses não as perderá, tendo alguma força política.
O vício da fartura, oposto à austeridade imposta aos trabalhadores comuns, vai muito além da necessária estrutura para se exercer bem a função pública.
“Criar cargos não é roubar!”, exclamou um parlamentar. Sim, distribuí-los por conveniências políticas difere de repartir o resultado de uma pilhagem. Mas esse “toma lá, dá cá” da política dominante, inclusive nas relações com o Executivo, implica em afronta aos reais interesses da população, carente de tantos direitos básicos.”
Chico Alencar é professor de história e deputado federal
Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 8 de abril de 2013
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