“Vimos por meio desta carta, apresentar-lhes a posição da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa a respeito do processo de organização dos Mega-Eventos no Brasil e da legislação que vem sendo construída em torno deste processo.
Os Comitês Populares são organizações da sociedade civil, compostos por movimentos, ONGs, associações e pessoas preocupadas com o “legado social” que vem sendo construído em nome dos Mega-Eventos e que atuam no sentido de garantir os Direitos Humanos, nos seus mais distintos aspectos, das diversas populações atingidas pelos impactos destes eventos. Estamos articulados nas 12 cidades sedes, organizando atividades as mais distintas possíveis, visando sempre à conscientização política e a luta e resistência por direitos.
Em especial, temos acompanhado o processo de constituição legal do que chamamos “Estado de Exceção”, que versa sobre um conjunto de regras extraordinárias, muitas das quais ferindo nossa Constituição, a vigorar neste período. Tal embasamento jurídico vem sendo construído tanto a nível federal, quanto nos entes sub-federais. Todavia, para economia de espaço, vamos nos concentrar na legislação pertinente a vosso trabalho. Mas, desde já, estamos abertos a dialogar sobre cada processo estadual e municipal.
No âmbito federal, sabemos que Vossas Senhorias estão debatendo a Lei Geral da Copa. Todavia, também sabemos que ela não é a primeira legislação de exceção imposta em nome dos Mega-Eventos. Nos assusta a aprovação de legislações, sempre oriundas de Medidas Provisórias, que dão tamanha prioridade aos Jogos. E aqui, colocamos quatro pontos basilares a respeito de nosso entendimento sobre os Mega-Eventos (Copa do Mundo, Olimpíadas e Copa das Confederações):
a) Ao abordarmos o sentido de urgência e relevância dos jogos, temos sempre que contrapor a outras demandas relevantes e urgências no País. Já é de praxe determos mais recursos para saúde e educação que, de longe, são mais relevantes para o país do que a organização de alguns jogos. Porém, gostaríamos de lembrar outra situação: a das enchentes que assolam e derrubam moradias populares a cada início de ano (e agora começando a ficar recorrente também em outras épocas). Por que, para reverter este processo, não se cria uma legislação de urgência? Por que famílias despejadas no início do ano ainda não contam com um rito mais rápido de licitação?Por que, infelizmente, temos a certeza de que isto ocorrerá de novo em 2012?;
b) Nunca podemos esquecer que a FIFA, a CBF, o LOC, e o COI, que hoje dialogam com Vossas Senhorias, são empresas privadas. Por mais relevante que seja a organização dos Jogos Olímpicos e Mundiais, não faz sentido uma legislação que garanta privilégios a um particular, ainda mais estrangeiro, em caráter jamais visto no país, subjugando inclusive o Estado. Isenção de impostos, rito especial para patentes, poder de autorizar a entrada de estrangeiros, criação de tipos penais especiais, cláusulas de ressarcimento, dentre outros;
c) Somos defensores de políticas públicas e leis especiais que fortaleçam a cidadania, reduzam a desigualdade social do país e concretize direitos humanos (sociais, econômicos e políticos) no país. O avanço ou retrocesso neste conjunto de fatores pode ser chamado de Legado de um determinado processo. No caso dos Mega-Eventos, parece-nos, infelizmente, fadado a trazer um legado de endividamento público (o custo dos jogos já ultrapassou os R$ 100 bilhões), especulação imobiliária, segregação social (mais de 100 mil famílias despejadas) e retirada de direitos sob distintas formas . É dever do Congresso Nacional mensurar este Legado antes de dar seqüência ao processo de legislação especial; e
d) Defendemos a soberania brasileira. Não aceitaremos nunca a chantagem que é feita com o país como se fosse um favor da Fifa e do COI a organização dos jogos no Brasil. Não precisamos lembrar a nossos(as) congressistas que o País, além de soberano, é também penta-campeão no futebol e tem o direito de receber o Mundial e organizá-lo conforme as leis e prioridades nacionais. Se não for assim, a FIFA que procure outro país que aceite tamanha ingerência e a transformação de um evento esportivo num balcão de negócios privados.