Artigo publicado no GLOBO de sábado, 16.8.2015, página 19.
Impedimento necessário
Chico Alencar
Não adianta trocar seis por meia dúzia. Impeachment tem previsão constitucional, mas nem tudo que é legal é legítimo. Afastamento de presidente eleito é procedimento excepcional, a ser usado com muito critério e materialidade probatória. Dilma é, hoje, frágil “gerente” de uma “troika” na qual a ortodoxia do capital financeiro, ao gosto do PSDB, tem o controle da economia, e o toma lá dá cá do PMDB faz a gestão da política.
Impeachments urgentes, no plural mesmo, são os do sistema político sequestrado pelo poder do dinheiro, da (de)ordem tributária injusta, da continuada desigualdade social, da cultura do individualismo. E, de imediato, dos que, tornados réus, ocupem funções de mando no Legislativo ou no Executivo. Seria o elementar, mas alguns se aferram aos cargos para fazer da imunidade impunidade.
As forças políticas dominantes barram qualquer mudança substantiva. Em sua poderosa trincheira, defendem o financiamento empresarial das campanhas, apesar da roubalheira a ele vinculada ser revelada cotidianamente na Operação Lava-Jato. Com olhos baços de cifrões, não enxergam a pesquisa da Datafolha em que 74% dos entrevistados se colocam contra dinheiro de empresas jurídicas para partidos e campanhas.
Patrimonialistas, rejeitam uma reforma tributária progressista, que taxe grandes fortunas, com o que se arrecadaria em torno de R$ 90 bilhões por ano. E que crie meios de repatriar ao menos parte dos estimados US$ 520 bilhões mantidos por brasileiros em paraísos fiscais.
A inclusão pelo consumo da Era Lula não superou a desigualdade social, agravada pelos cortes nas políticas sociais de educação, saúde e infraestrutura urbana e rural. A Receita Federal divulgou dados que fariam corar Thomas Piketty, de “O capital no século XXI”: 71.440 pessoas têm renda mensal superior a 160 salários mínimos – 0,05% da população economicamente ativa. Essa elite de “intocáveis” concentra 14% da renda total e 22,7% da riqueza em bens e ativos financeiros.
A corrupção sistêmica sugou, nos últimos cinco anos, mais de R$ 13 bilhões dos cofres públicos – menos de 10% recuperados até aqui. Ela seduz grande parte dos 70 mil agentes políticos dos poderes municipais, estaduais e federais. Cultural, também perpassa atitudes de pessoas comuns, prisioneiras da ideologia da “vantagem”. No macro, roubar é alavanca para a acumulação de capital. Combater os desvios, sem corporativismos, é essencial.
Mais do que ética na política, que se viabilizaria através das virtudes individuais de pessoas honradas, é imperativo resgatar a ética da política. Só ela garante democracia e transparência nas instituições republicanas, socializando os meios de governar. Tudo isso depende de intensa mobilização cidadã. Quais entes coletivos, como partidos e outras organizações, estão de fato empenhados nessa tarefa?
Chico Alencar é deputado federal
(PSOL-RJ)