A tese de doutorado da acadêmica Nelma Gusmão, que observou os impactos dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 na cidade, ganhou o Prêmio Anpur 2013 (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). A tese, elaborada no IPPUR/UFRJ com a orientação do professor Carlos Vainer, analisa “como o espetáculo esportivo funciona como meio para submeter a cidade e seus habitantes às pressões do campo econômico a cujo domínio também se sujeita”.
No resumo da tese “O Poder e os jogos do Poder – os interesses em campo na produção de uma cidade para o espetáculo esportivo”, Nelma traduz: “Imagens fortes, rituais e simbolismo têm sido os elementos básicos que dão sustentação aos eventos de competição esportiva. Quando se converte em estratégia de desenvolvimento vinculada ao modelo de gestão empresarial da cidade, a produção do espetáculo esportivo se revela capaz de produzir ampla mobilização de capitais econômicos, políticos e simbólicos, resultando em rupturas e realinhamentos nas diversas dimensões do espaço social nos territórios onde é recebido”.
Para elaborar a tese de 309 páginas, Nelma Gusmão viajou ao Canadá e mergulhou fundo na legislação. Em outubro de 2011, concedeu entrevista ao site do Mandato Eliomar Coelho sobre a Lei Geral da Copa. A pesquisadora já afirmava, então, que esta legislação “evidencia a ingerência de uma instituição privada (FIFA) sobre a ordem jurídica de um país.”
“A partir dos anos 90, quando o mercado tornou-se a referência dominante no planejamento de cidades, a forte carga simbólica associada aos megaeventos veio constituir um ingrediente fundamental, embora não único, para a convergência perfeita entre a produção desse tipo de evento e a produção do espaço urbano dentro dos marcos do modelo neoliberal”, afirma, Nelma, na tese.
“Através de uma estratégia que utiliza como ferramenta analítica a noção de campo de Bourdieu, a pesquisa explora as relações de poder que envolvem o universo onde se produz o espetáculo esportivo, especialmente a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos de Verão, e aquele onde se produz a cidade. A abordagem adotada privilegia o entendimento do modus operandi dos grupos hegemônicos que conduzem o processo. Com esse fim, a observação se concentra nas disputas e coalizões entre sujeitos individuais e coletivos que se apropriam dos megaeventos esportivos com o objetivo de realizar projetos e validar estratégias de manutenção ou ascensão de suas posições no espaço social”, prossegue a pesquisadora baiana.
Engenheira civil, com mestrado em Arquitetura e Urbanismo, e professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Nelma dedicou a tese “à Vila Autódromo, por mostrar ao mundo a possibilidade doplanejamento como instrumento de luta”.
Leia “O Poder o o jogo do Poder” na íntegra.
Comentário do professor Carlos Vainer sobre a tese
“A tese de doutorado Nelma Gusmão de Oliveira, ora laureada pelo Prêmio Milton Santos, da ANPUR (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), resulta de uma ampla, profunda e rigorosa investigação que agrega à literatura científica nacional e internacional um novo olhar e uma nova forma de analisar e entender a natureza dos megaeventos esportivos e de suas relações com as cidades contemporâneas. As opções teórico-conceituais e metodológicas que estruturaram e orientaram a pesquisa permitiram lançar luz sobre processos, agentes e práticas que permaneciam obscuros ou ininteligíveis. Dentre estas opções, cabe destacar, em primeiro lugar, a abordagem histórica, que permitiu pensar o megaevento esportivo e sua relação com as metrópoles contemporâneas como resultado de um longo processo que atravessa tanto o processo de organização e promoção dos Jogos Olímpicos e das Copas do Mundo da FIFA, quanto o processo de reconfiguração do lugar e papel das cidades na globalização neo-liberal que se afirmou a partir do final dos anos 1970. Em segundo lugar, mencione-se a opção por uma abordagem multidimensional, que articulou as dimensões econômicas, políticas e simbólicas. Em terceira lugar, en não menos importante, uma perspectiva que chamamos de “trans-escalar”, que busca analisar os megaeventos, e os processos urbanos contemporâneos de modo geral, como realidades que somente podem ser metodologicamente captadas e analiticamente entendidas e restituídas se articularem local, regional, nacional e internacional (ou global, se se prefere).
A ANPUR premiou um trabalho que aliou enorme esforço de investigação empírica, rigor conceitual e disciplina metodológica. Mas premiou também um trabalho que alerta a sociedade brasileira para os extraordinários custos econômico-financeiros, sociais, políticos e institucionais, subordinando políticas urbanas e práticas de governo a entidades e corporações que transformaram esporte e cidade em um grande negócio e instauram a cidade de exceção. Finalmente, além de todas suas relevantes contribuições, inovações e revelações, a tese de Nelma acaba por reiterar algo que já sabemos há tempos: na cidade neo-liberal, na cidade de exceção em que reina a democracia direta do capital, nesta nova modalidade de parceria público-privada que são os megaeventos, os ganhos são privados e os custos públicos.”
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