Numa ação sem precedentes na história da Câmara Municipal, um projeto de lei de autoria duvidosa – ninguém sabe onde nasceu, se na Prefeitura ou na Comissão de Justiça – é apresentado e aprovado em primeira discussão no mesmo dia. Uma semana depois, é aprovado em segunda discussão – mas na verdade sem discussão alguma com a sociedade. A aprovação do PLC 33/2009, que alterou o PEU das Vargens, não foi apenas uma imoralidade, foi uma ilegalidade completa. Houve desrespeito à Constituição Federal, ao Estatuto da Cidade, à Lei Orgânica do Município, ao Plano Diretor da Cidade e ao próprio regimento interno da Câmara Municipal. Foi tamanha a afronta, que nos juntamos a outros seis vereadores, de diferentes partidos, para levar a denúncia ao Ministério Publico do Estado do Rio de Janeiro.
Trata-se de um projeto que apareceu do nada, com seus verdadeiros responsáveis técnicos encobertos por essa “iniciativa conjunta” de algumas comissões do Legislativo carioca que, claramente, não tem condições técnicas e materiais para elaborá-lo. Não há termos de comparação com a aprovação de outros Projetos de Estruturação Urbana que foram largamente debatidos e contaram com a qualificada participação e subsídios dos técnicos da Prefeitura.
Os Projetos de Estruturação Urbana são um dos mais importantes instrumentos de regulação urbanística. Previstos, no âmbito municipal, desde o Plano Diretor de 1992, os PEUs deveriam ter sido desenvolvidos para todo o território da cidade, um para cada uma das 55 Unidades Espaciais de Planejamento. Essas UEPs são pequenas “regiões” da cidade, uma subdivisão não tão pequena quanto os bairros e não tão extensa quanto as Regiões Administrativas e Áreas de Planejamento.
Além de permitir uma sintonia fina no zoneamento e na regulação do uso e da ocupação do solo urbano, dando maiores detalhes às principais diretrizes e instrumentos da política urbana, os PEUs seriam um momento fundamental do processo de planejamento participativo, pois sua elaboração deveria obedecer aos mesmos princípios da elaboração do Plano Diretor da Cidade.
Instituído por Projeto de Lei Complementar de autoria do Poder Executivo, o PEU deve ser precedido de uma leitura técnica da região a ser estruturada, bem como de consultas à população dos bairros abrangidos.
No caso do PEU das Vargens, apesar de todas as limitações do projeto e do processo de elaboração em 2006, considerávamos satisfatórias as principais diretrizes e índices urbanísticos ali presentes. Imaginávamos ter garantido a estabilidade e a regularização de todas as comunidades pobres então declaradas como Áreas de Especial Interesse Social.
Infelizmente, consideramos esse projeto de 2009, para além de todas as arbitrariedades da sua tramitação e da sanção do prefeito, um enorme retrocesso no marco regulatório para a região. A perspectiva de criminalização da pobreza, de remoção sumária das comunidades ali presentes e da devastação definitiva dos ecossistemas de restinga, manguezal e mata atlântica, por parte da especulação imobiliária, tornam-se gritantes com o novo texto.