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Sobre o Carnaval de Rua no Rio: “Sem generalizações”

Artigo de Rita Fernandes – presidente da Liga de Blocos

“É verdade que o carnaval de rua do Rio cresceu muito e foi além do que se imaginava. Não foi um crescimento planejado, simplesmente aconteceu. E, com o aumento progressivo do número de foliões, vieram também os problemas que surgem em situações de multidões, como aconteceu na Jornada Mundial da Juventude, Rock In Rio e réveillon. Mas o carnaval dos blocos vai muito além disso e merece um olhar mais generoso de quem insiste em associá-lo somente a xixi, lixo e baderna.

Andei por muitos bairros durante o período de Momo e antes dele, e vi nas ruas uma explosão de alegria sem fim. Uma mistura de pessoas de diferentes idades, naturalidades e nacionalidades. Uma juventude vibrante, fantasiada, multicultural e plural, em uma efervescência impressionante. O carioca desembarcou nos blocos pela música, descobriu os instrumentos de percussão, o samba e outros ritmos brasileiros. Misturou tudo e foi para a rua brincar o carnaval.

A beleza dos blocos carnavalescos tem a ver com a natureza da festa que aqui se faz. No Rio, o carnaval é agregador, democrático, alternativo, junta e mistura, dissolve preconceitos, revela identidades. Um retrato da alma carioca — seus bairros, cantados em prosa e verso, as turmas de amigos, as caricaturas do cotidiano. Uma crônica social orgânica, viva, que envolve a Zona Sul, a Zona Norte, a Zona Oeste em uma mesma sintonia. Como imaginar então que os blocos possam ser confinados a um roteiro único, que passem a desfilar em um “blocódromo”? Essa ideia revela total desconhecimento do que é o carnaval carioca e do que ele representa para a cidade.

Como tirar o Simpatia É Quase Amor e a Banda de Ipanema do bairro em que nasceram e que lhes serve de inspiração? Como imaginar o Suvaco do Cristo fora do Jardim Botânico? A Banda do Leme sem o Leme? Como separar o Escravos da Mauá da Zona Portuária? Esses blocos têm uma estreita, intrínseca e profunda relação com suas localidades. Seus roteiros não são à toa, não surgiram do nada. Há razões que todos deveriam conhecer, afinal estamos falando da história do nosso lugar. É verdade que nos últimos cinco anos surgiram blocos que não têm relação geográfica com seu entorno. E que alguns se tornaram gigantescos. Talvez esses possam ser movidos para outros locais de forma a minimizar os impactos urbanos, por não terem ligação com um lugar. Mas os blocos tradicionais, com seus 20, 30, 50 anos de história, não podem ser punidos, na vã alegação de que a cidade não suporta.

É preciso separar as coisas, encontrar as razões reais de cada problema para que não se cometam injustiças. Dá para fazer um carnaval bonito, sem sacrificar blocos ou moradores. Mas isso vai exigir dos envolvidos uma boa dose de planejamento, por causa do tamanho que a festa tomou. E da sociedade, uma dose extra de compreensão e de generosidade com a sua cidade.”

Rita Fernandes é presidente da Sebastiana, liga de blocos do Rio

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